Durante a pandemia em 2020, como a grande maioria das
pessoas, o trabalho desapareceu ou entrou para “o novo normal”. Principalmente
nas artes e entretenimento incluindo o audiovisual.
Minha vida se resumia a acordar cedo, tomar café, ir para
a varanda, acender um cigarro e decorar a rotina da rua. O sol nascia
projetando sombras sem nada de novo, pássaros começavam a cantar, pousavam nas
árvores onde eu já sabia que iriam pousar, e a rua lá; deserta.
Nessa rotina sem fim um dia me liga o Zeca Rodrigues me
propondo fazer um trabalho on line. Cheguei a questionar como iria fazer a
fotografia dessa forma, mas ele me convenceu que daria certo.
Marco Antonio Rodrigues, pai do Zeca, é um diretor
teatral talentoso e muito conceituado, tinha algumas peças que foram canceladas
e transformadas em vídeo por causa da pandemia. Uma delas era em comemoração à
entrada do acervo de Augusto Boal no museu Lasar Segall, a peça teatral “O
Grande Acordo Internacional de Tio Patinhas”.
Passamos a nos reunir virtualmente algumas vezes por
semana. Eram onze atores talentosos que foram alunos do Marco. Primeiro ele lia
o texto e ensaiava com os atores. Depois entrava eu e o Zeca para organizarmos.
Eles usavam seus celulares para gravar, colocavam em
paralelo o computador com o enquadramento parecido com o celular, então eu e o
Zeca orientávamos. Pela primeira vez usei unicamente como fonte de luz ring
light, abajur, luminária e o que mais pudesse emitir luz. Depois de tudo
definido, antes de gravar para valer, eles mandavam um trecho pequeno em vídeo,
ai corrigíamos o que precisava.
Tive algumas dificuldades com a linguagem. Termos que
normalmente usamos, como por exemplo: “tirar teto”, tive que achar palavras
para que entendessem que queria que eles inclinassem a câmera para baixo com o
objetivo de deixar o enquadramento mais no limite da cabeça. Assim foi com
todas as orientações.
Como o Zeca tinha conversas com o Marco que eu não
participava não pude sentir como dois diretores, um de audiovisual e outro de
teatro trabalhavam.
O interessante é que todos os ambientes da casa dos
atores foram usados, gostei muito do resultado final. O Zeca conseguiu dar
unidade a um material muito diverso, cada celular era de uma marca, a luz era
muito diferente e mesmo assim ele arrasou na montagem e correção de cor (link
no final do texto).
Esse trabalho foi um colírio em meus olhos cansados de
olhar a rua vazia.
Estava começando a ficar de novo na monotonia quando o
Zeca me propôs outro trabalho com o Marco. Era para o Teatro Municipal, um documentário-ópera,
“Guarani em Chamas”. Uma adaptação da famosa ópera O Guarani.
Na verdade foi um desafio. Teríamos que gravar uma atriz
que conduziria o vídeo, entrevistas com algumas pessoas envolvidas com o
projeto inicial da ópera, três solistas e mais oitenta pessoas do coral.
Várias reuniões on line com o pessoal do Teatro
Municipal, várias reuniões com o Marco, Zeca e Cássio Brasil (que iria fazer a
direção de arte) para acharmos soluções.
Reunir todos ao vivo pela condição da pandemia seria
impossível. Primeiro veio a ideia de rodar no teatro a atriz, entrevistas e grupos
de cantores separados, os responsáveis pelo coral não aprovaram. Pensamos em
levar somente a atriz e projetar no palco a gravação do coral e em outras
partes do teatro rodar as entrevistas. Ficamos alguns dias esperando a
autorização, mas a resposta para usar o Teatro Municipal foi negativa.
A solução foi rodar a atriz e entrevistas em estúdio e
gravar todo o resto com o coral em suas casas com seus celulares.
Com a experiência do Tio Patinhas propusemos fazer
reuniões em separado. A primeira foi com os solistas: Carolina de Comi, soprano,
Marcelo Vannucci, tenor e Matheus França, baixo. Esse último com uma voz grave,
muito grave. Cada vez que ele abria a boca parecia que sua voz vinha do além.
No final da reunião não tive dúvidas, falei:
-
Matheus, cada vez que você fala acho que Deus está falando comigo...
Todo mundo começou a
rir...tá bom confesso, foi sem noção, mas serviu pra aliviar o clima meio
solene da reunião on line, com maestro e o pessoal do Teatro Municipal.
Depois da reunião com os solistas o Zeca dividiu a
reunião com o coral em dois dias com quarenta pessoas por dia. A ideia era
fazermos como no Tio Patinhas, vermos e acertarmos o quadro e a luz de cada um.
Não deu certo. Apenas orientamos e tivemos a certeza de que eles não tinham
entendido nada.
Fiz uma apresentação em Power Point com fotos explicando
detalhadamente como ajustar a câmera do celular e como enquadrar e se
posicionar na luz, esse guia foi enviada a todos que teriam que gravar.
Durante quatro dias eu e o Cássio Brasil recebemos fotos
das oitenta pessoas do coral para corrigirmos fotografia e figurino. E foi um
vai e volta de fotos até tudo estar afinado.
A diária de estúdio foi como estar em um oásis no meio do
deserto. A saudade que eu estava de estar ali, sentido a câmera, montando a
luz, o cheiro do estúdio, mesmo com máscara e um monte de álcool em gel nas
mãos, era tanta que uma felicidade enorme encheu meu coração de alegria.
Sandra Nanayna é uma atriz indígena e não poderia ter
sido outra para apresentar esse trabalho, escolha mais que acertada do Marco
Antonio Rodrigues.
No estúdio pude ver o Zeca e o Marco trabalhando juntos e
entendi como dois diretores de meios diferentes podem combinar. O Zeca era um
“tradutor”, transformava em linguagem audiovisual o que o Marco imaginava,
perfeito.
Agora, imagina o trabalhão que o Zeca teve pra montar. É
como se ele tivesse oitenta câmeras gravando em separado, ajustar e sincronizar
oitenta vozes, insano!
O resultado final foi magistral e só posso agradecer ao
Zeca e ao Marco a oportunidade de participar de um momento histórico, como
conseguir produzir no meio do caos.
Abaixo o vídeo, assistam vale a pena.
Espetacular, 👏👏👏, parabéns a todos.
ResponderExcluirObrigado!!!
ExcluirMuito bom! As dificuldades... Prontas para nos colocar à prova, prontas para nos apresentar os gênios.
ResponderExcluirValeu Wesley, muito obrigado!!!
ExcluirMAGNÍFICO, EMOCIONANTE, Parabéns......
ResponderExcluirMas o novo normal faz gente até usar o ring light (coisa q eu já a li q tem gente q detesta kkkkkkk.....)
Tenho uma prima q canta num coral e passei pra ela, ela vai amar ver.
Emocionado fiquei eu agora com seu comentário Katia. Pois é, nunca imaginei ter que usar o ring light, fazer o que? kkkkkk. Espero que sua prima goste do trabalho. Muito obrigado!
Excluir😉😉😉😉
ResponderExcluirEla adorou o texto, achou o vídeo sensacional e favoritou o blog e vai ler mais 😉
Desculpe a demora em responder Katia. fico muito feliz que sua prima gostou, apesar do trabalho foi emocionante para mim participar desse projeto.
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