Direção de Fotografia em Home Office - Texto de Fernando Nunes

 



Durante a pandemia em 2020, como a grande maioria das pessoas, o trabalho desapareceu ou entrou para “o novo normal”. Principalmente nas artes e entretenimento incluindo o audiovisual.

Minha vida se resumia a acordar cedo, tomar café, ir para a varanda, acender um cigarro e decorar a rotina da rua. O sol nascia projetando sombras sem nada de novo, pássaros começavam a cantar, pousavam nas árvores onde eu já sabia que iriam pousar, e a rua lá; deserta.

Nessa rotina sem fim um dia me liga o Zeca Rodrigues me propondo fazer um trabalho on line. Cheguei a questionar como iria fazer a fotografia dessa forma, mas ele me convenceu que daria certo.

Marco Antonio Rodrigues, pai do Zeca, é um diretor teatral talentoso e muito conceituado, tinha algumas peças que foram canceladas e transformadas em vídeo por causa da pandemia. Uma delas era em comemoração à entrada do acervo de Augusto Boal no museu Lasar Segall, a peça teatral “O Grande Acordo Internacional de Tio Patinhas”.

Passamos a nos reunir virtualmente algumas vezes por semana. Eram onze atores talentosos que foram alunos do Marco. Primeiro ele lia o texto e ensaiava com os atores. Depois entrava eu e o Zeca para organizarmos.

Eles usavam seus celulares para gravar, colocavam em paralelo o computador com o enquadramento parecido com o celular, então eu e o Zeca orientávamos. Pela primeira vez usei unicamente como fonte de luz ring light, abajur, luminária e o que mais pudesse emitir luz. Depois de tudo definido, antes de gravar para valer, eles mandavam um trecho pequeno em vídeo, ai corrigíamos o que precisava.

Tive algumas dificuldades com a linguagem. Termos que normalmente usamos, como por exemplo: “tirar teto”, tive que achar palavras para que entendessem que queria que eles inclinassem a câmera para baixo com o objetivo de deixar o enquadramento mais no limite da cabeça. Assim foi com todas as orientações.

Como o Zeca tinha conversas com o Marco que eu não participava não pude sentir como dois diretores, um de audiovisual e outro de teatro trabalhavam.

O interessante é que todos os ambientes da casa dos atores foram usados, gostei muito do resultado final. O Zeca conseguiu dar unidade a um material muito diverso, cada celular era de uma marca, a luz era muito diferente e mesmo assim ele arrasou na montagem e correção de cor (link no final do texto).

Esse trabalho foi um colírio em meus olhos cansados de olhar a rua vazia.

Estava começando a ficar de novo na monotonia quando o Zeca me propôs outro trabalho com o Marco. Era para o Teatro Municipal, um documentário-ópera, “Guarani em Chamas”. Uma adaptação da famosa ópera O Guarani.

Na verdade foi um desafio. Teríamos que gravar uma atriz que conduziria o vídeo, entrevistas com algumas pessoas envolvidas com o projeto inicial da ópera, três solistas e mais oitenta pessoas do coral.

Várias reuniões on line com o pessoal do Teatro Municipal, várias reuniões com o Marco, Zeca e Cássio Brasil (que iria fazer a direção de arte) para acharmos soluções.

Reunir todos ao vivo pela condição da pandemia seria impossível. Primeiro veio a ideia de rodar no teatro a atriz, entrevistas e grupos de cantores separados, os responsáveis pelo coral não aprovaram. Pensamos em levar somente a atriz e projetar no palco a gravação do coral e em outras partes do teatro rodar as entrevistas. Ficamos alguns dias esperando a autorização, mas a resposta para usar o Teatro Municipal foi negativa.

A solução foi rodar a atriz e entrevistas em estúdio e gravar todo o resto com o coral em suas casas com seus celulares.

Com a experiência do Tio Patinhas propusemos fazer reuniões em separado. A primeira foi com os solistas: Carolina de Comi, soprano, Marcelo Vannucci, tenor e Matheus França, baixo. Esse último com uma voz grave, muito grave. Cada vez que ele abria a boca parecia que sua voz vinha do além. No final da reunião não tive dúvidas, falei:

- Matheus, cada vez que você fala acho que Deus está falando comigo...

 Todo mundo começou a rir...tá bom confesso, foi sem noção, mas serviu pra aliviar o clima meio solene da reunião on line, com maestro e o pessoal do Teatro Municipal.

Depois da reunião com os solistas o Zeca dividiu a reunião com o coral em dois dias com quarenta pessoas por dia. A ideia era fazermos como no Tio Patinhas, vermos e acertarmos o quadro e a luz de cada um. Não deu certo. Apenas orientamos e tivemos a certeza de que eles não tinham entendido nada.

Fiz uma apresentação em Power Point com fotos explicando detalhadamente como ajustar a câmera do celular e como enquadrar e se posicionar na luz, esse guia foi enviada a todos que teriam que gravar.

Durante quatro dias eu e o Cássio Brasil recebemos fotos das oitenta pessoas do coral para corrigirmos fotografia e figurino. E foi um vai e volta de fotos até tudo estar afinado.

A diária de estúdio foi como estar em um oásis no meio do deserto. A saudade que eu estava de estar ali, sentido a câmera, montando a luz, o cheiro do estúdio, mesmo com máscara e um monte de álcool em gel nas mãos, era tanta que uma felicidade enorme encheu meu coração de alegria.

Sandra Nanayna é uma atriz indígena e não poderia ter sido outra para apresentar esse trabalho, escolha mais que acertada do Marco Antonio Rodrigues.

No estúdio pude ver o Zeca e o Marco trabalhando juntos e entendi como dois diretores de meios diferentes podem combinar. O Zeca era um “tradutor”, transformava em linguagem audiovisual o que o Marco imaginava, perfeito.

Agora, imagina o trabalhão que o Zeca teve pra montar. É como se ele tivesse oitenta câmeras gravando em separado, ajustar e sincronizar oitenta vozes, insano!

O resultado final foi magistral e só posso agradecer ao Zeca e ao Marco a oportunidade de participar de um momento histórico, como conseguir produzir no meio do caos.

Abaixo o vídeo, assistam vale a pena.

Guarani em Chamas

Link para assistir O Grande Acordo Internacional de Tio Patinhas:

Comentários

  1. Espetacular, 👏👏👏, parabéns a todos.

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  2. Muito bom! As dificuldades... Prontas para nos colocar à prova, prontas para nos apresentar os gênios.

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    1. Fernando Nunes16/10/2021, 14:58

      Valeu Wesley, muito obrigado!!!

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  3. MAGNÍFICO, EMOCIONANTE, Parabéns......
    Mas o novo normal faz gente até usar o ring light (coisa q eu já a li q tem gente q detesta kkkkkkk.....)
    Tenho uma prima q canta num coral e passei pra ela, ela vai amar ver.

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    1. Fernando Nunes01/11/2021, 16:17

      Emocionado fiquei eu agora com seu comentário Katia. Pois é, nunca imaginei ter que usar o ring light, fazer o que? kkkkkk. Espero que sua prima goste do trabalho. Muito obrigado!

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  4. 😉😉😉😉
    Ela adorou o texto, achou o vídeo sensacional e favoritou o blog e vai ler mais 😉

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    1. Fernando Nunes18/11/2021, 20:13

      Desculpe a demora em responder Katia. fico muito feliz que sua prima gostou, apesar do trabalho foi emocionante para mim participar desse projeto.

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