Como voltar de Fortaleza para São Paulo de avião na década de noventa: um voo direto de Fortaleza para São Paulo demorava por volta de três horas e meia. Fortaleza com escalas em Recife e Salvador por volta de seis horas. Fortaleza com escalas em Salvador e Brasília é um inferno de mais ou menos oito horas.
Estava em um trabalho de alguns dias em Fortaleza. Última diária e precisava voltar para São Paulo porque tinha trabalho agendado. Deveria ser umas dezoito horas e estávamos na última cena quando a Willa, coordenadora de produção, me liga:
- Fê, voo direto não tem. O que consegui foi um saindo às cinco horas da manhã com escalas em Recife e Salvador. Época de férias amigo, tá tudo lotado e esse também tá lotado, voo direto só daqui a três dias...
Fiquei pensando no “pinga, pinga” do avião subindo e descendo nos aeroportos, de qualquer forma era melhor do que com escalas em Recife e Brasília, não tinha saída, tinha que voltar.
- Fecha esse mesmo Willa, fazer o que...
Por volta das vinte horas termina o trabalho. Enquanto o pessoal estava recolhendo o equipamento pensei:
“São oito da noite, tenho duas opções: sair daqui, ir pro hotel, tomar um banho, jantar, arrumar a mala e por volta das vinte e três e trinta, meia noite, dormir. Vai dar umas três horas de sono porque tenho que ir para o aeroporto pro voo das cinco da manhã... Ou... Sair daqui, ir para o hotel, tomar um banho, pegar a mala, ir pra um ou mais botecos, jantar e encher a cara, ficar bem cansado sem dormir, ir para o aeroporto e dormir no avião.”.
Achei a segunda opção beeemmmm melhor!
Fui atrás do produtor e perguntei se ele topava me acompanhar, o assistente de câmera que estava perto ouviu a conversa e quis ir junto.
Eles me esperaram no hotel e lá fomos nós pra noite, de mala e tudo. Primeiro em um restaurante, depois mais dois botecos, e tome cerveja com cachaça. Quase que perco o voo, cheguei em cima da hora daquele jeito, não estava completamente bêbado, mas bem “alto” e com um baita sono.
Entrei no avião quase vazio, tinha um ser humano lá no fundo e outro sentado na fileira do corredor atrás de mim, e só. Na verdade minha poltrona era no meio, mas como estava vazio sentei na fileira do corredor.
Depois do avião levantar voo me aconcheguei na poltrona me preparando para dormir, apesar do trecho ser de aproximadamente uma hora e quinze minutos. Depois de um tempo quando quase estava entrando em sono profundo sinto uma mão bater nas minhas costas, levei um baita susto que quase me arranca da poltrona, olho para trás pelo lado do corredor e dou de cara com o sujeito da poltrona de trás, com os olhos arregalados e mais bêbado do que eu, sei disso pelo bafo de cachaça e a voz totalmente arrastada, ele me disse:
- Tu sabe quanto tempo demora prum avião cair dessa altura?
Ficou me encarando e não disse mais nada. Depois de alguns segundos voltou para a poltrona e muito rápido estava dormindo. Tava na cara que tinha medo de avião, medo não, pavor.
Dei de ombros, recostei na poltrona e tentei dormir, mas de novo, depois de uns quinze minutos ele me cutuca, outro susto e lá vou eu ficar cara a cara com o sujeito, e ele fala:
- DEZZZZ MINUTOSSS! DEZZZZ MINUTOSSS!
Tornou a voltar para a poltrona e novamente dormiu. Fiquei parado ali por um tempo olhando o corredor vazio. Conclusão, não consegui dormir. Não foi pelos dez minutos que o avião demora pra cair, foi pela certeza que ele ia me cutucar de novo. E cutucou um pouco antes da aterrissagem.
- Ai macho, acho que a gente não vai cair não...
O avião pousa e ele desembarca. Graças a Deus!
Em Recife entraram mais algumas pessoas, talvez um quarto da lotação do avião, pensei: “mas que merda é essa? A Willa me falou que o voo estava lotado... melhor assim, vou conseguir dormir”. Realmente dormi uma hora até a próxima parada: Salvador.
Ninguém desembarcou em Salvador. Quando as pessoas começaram a entrar parecia a estação Sé do metro em horário de pico, muita gente, ai sim o avião lotou. Tive que ir para meu assento no meio e para minha infelicidade sentaram bem onde eu estava um grupo de turistas argentinos muito barulhentos. Me senti numa ilha cuja definição era: um brasileiro cercado de argentinos por todos os lados. Nada contra argentinos, ali poderia ser de qualquer nação que eu ia me ferrar de qualquer jeito, mas o argentino em grupo é quase uma banda ruim de heavy metal na sua orelha com o som no máximo.
Eu lá, na poltrona do meio, foi um tal de: “necesito pasar”, “tengo que ir al baño”, que não acabava mais. A gritaria no corredor era insuportável. Dormir? Coisa do passado. Foram duas horas e meia de tortura, teve uma vantagem, quase que aprendo a falar fluentemente espanhol, incluindo palavrões e gírias...
Quando desembarquei em São Paulo fui direto ao banheiro jogar uma água no rosto, quando olhei no espelho de tanto sono tava com os olhos mais vermelhos que os do Bob Marley.
Cheguei em casa por volta do meio dia e fui direto pra cama. Quando deu mais ou menos treze horas a Clarissa, minha filha mais velha que tinha na época seis anos chega da escola e vai direto para meu quarto e começa a gritar me chacoalhando:
- FÊ... FÊ (as minhas duas filhas até hoje me chamam de Fê e não de pai), VAMOS BRINCAR? VAMOS, VAMOS VAI...
Não teve jeito tive que levantar, além do sono estava com uma ressaca monumental.
Jurei que nunca mais ia deixar de dormir por nada nesse mundo, mesmo que fosse só algumas horinhas.
Eu tambem ja passei pelo mesmo perrengue.
ResponderExcluirEntão sabe o que passei...kkkkkkkkk
ExcluirDuvido Fernando, as vezes não da nem pra um cochilo.. rsss...
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