O Velho e o Novo - Texto de Fernando Nunes

 



No audiovisual o que é novo? O que é moderno?  Qual o conceito de novo e moderno?

 

HISTÓRIA UM

Fiquei um ano em Angola trabalhando tanto para o governo quanto para o mercado publicitário. O coordenador e diretor de cena da produtora, Guto Araujo, teve que voltar para o Brasil durante um mês, para cobrir sua ausência foi contratado um diretor jovem, vinte e seis anos na época.

Nessa período estava por lá um dos donos da produtora que em determinado momento veio conversar comigo sobre o novo diretor.

- Vi alguns trabalhos dele e resolvi trazer porque achei um trabalho inovador e moderno, espero que dê todo apoio...

Confesso que fiquei ansioso para trabalhar com ele, gosto de conhecer e ver novos trabalhos, nunca deixo de aprender, quando isso não acontecer mais me aposento. Tentei dar todo apoio possível e, além disso, observar e ver algo novo.

Fizemos alguns trabalhos juntos e logo no primeiro, depois de rodar a cena em tripé ele pediu: “Agora vou fazer do meu jeito, vamos repetir a cena com a câmera na mão”. Depois, na marcação de luz, me pediu para “puxar” cores fortes.

Puxar cores fortes: anos noventa quando os telecines melhoram.

Camera na mão: Glauber Rocha décadas de 60, 70.

 

HISTÓRIA DOIS

Ia fazer um trabalho com a “parça” Ana Cål. Um comercial.

Já vínhamos discutindo a estética há alguns dias quando recebo um telefonema, era a Ana.

- Fe, abre teu e-mail, acabei de mandar algumas referencias que o novo diretor de marketing da empresa me mandou. O cara é novo e parece que quer mostrar serviço, ele adorou a estética e quer fazer igual. Não me xinga, não tenho nada com isso... - aí a Ana riu aquele sorriso sincero e gostoso de quem tinha certeza que eu não ia gostar.

Quando olhei as referencias não acreditei, todas tinham cabeça Dutch, aquela que faz movimentos com a câmera de uma diagonal a outra. Tudo bem, hoje tem jeitos mais modernos de fazer, como as cabeças eletrônicas, por exemplo.

Mas que tanta novidade o diretor de marketing viu nas referencias?

Esse tipo de movimento virou moda na década de noventa principalmente depois do filme do Oliver Stone “Assassinos por Natureza” de 1994, aliás, um filme genial.

 

Sempre achei que conseguir fazer alguma coisa realmente nova atualmente em direção de fotografia ou na direção é algo quase inalcançável, o que vemos são reciclagens de coisas antigas, como nos exemplos.

As grandes novidades sempre surgiram pela quebra de estética de algum movimento enraizado, pela questão econômica ou pelo avanço tecnológico.

Nas décadas de trinta e começo de quarenta a estética que prevalecia, principalmente na Europa, era de uma luz extremamente marcada, fazendo os atores ter marcações quase que teatrais e estáticas, uma luz só para os olhos, outra só para parte do corpo.

Depois da segunda guerra o cinema não tinha dinheiro, o jeito foi rodar o máximo em externa e improvisar com espelhos para economizar na luz. Quando se rodava em uma locação se rebatia a luz do sol fora da casa com um espelho por uma janela, depois dentro da casa era colocado outro espelho que rebatia a luz para o teto e aí se iluminava o ambiente. Assim surgiu a luz “soft”, os atores ficaram com mais liberdade, a direção de cena agradece. Essa nova forma só surgiu pela questão financeira.

Com o surgimento de telecines melhores, computação gráfica e evolução dos programas de edição, a fotografia teve que se reinventar para seguir as novidades. Um dos “inovadores” da época no Brasil foi o Breno Silveira, diretor de fotografia e diretor que abusava na marcação de luz, tanto que um termo surgiu na época na boca dos coloristas era: Vamos “Brenar” essa cena?. Sinônimo de fazer alguma marcação de luz mais radical. Esse é um exemplo de mudança por avanço tecnológico.

Hoje em dia o que existe é a estética do marketing. Um diretor de fotografia ou diretor de cena resolve investir em ideias “novas” e “modernas”, se vendem como o tal, só que na realidade não há nada de novo, apenas marketing.

Não que essa busca não tenha que existir, ela só tem que ser verdadeira.

Trailer Assassinos Por Natureza
 
Comercial Ruffles de Breno Silveira, branco e pele saturadas no telecine

Comentários

  1. Muito boa análise, concordo com você. O novo realmente é o velho repaginado tipo gourmet.
    Breno Silveira é o cara das cores, contraste e afins.
    Muito bom ter um conteúdo, com o olhar de um profissional da área.

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  2. Fernando Nunes19/12/2021, 10:27

    Valeu Vera, muito obrigado.

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  3. Leiga no assunto e achando o máximo esse jogo com os espelhos 😉😉😉😉

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