Trabalhei
muito tempo fazendo comerciais para prefeituras e governo de estado.
Já citei no
texto Jornalismo x Publicidade, que fiz durante doze anos os comerciais do
governo Alckmin.
Várias
agências atendiam a conta do governo e a criação vira e mexe era trocada,
também por mais de uma década era difícil uma dupla permanecer na mesma
agência.
Nessa troca
de cadeiras o cara que entrava tentava mudar a cara dos filmes e na maioria das
vezes dava um tiro no pé. Primeiro que a soberba não permite para alguns
criativos escutar a experiência de quem já conhece muito o cliente e sabe o que
funciona e o que não, o que é aprovado e o que volta, mas eu sempre tento, pra
poupar o desgaste do bate volta na edição. Outra característica dessa gestão era
não filmar o que não existia, ou mostrar melhor do que era. A gente podia gravar a inauguração de alguma
obra antes de abrir, mas o filme só ia ao ar quando tivesse inaugurado. Tinha
um mantra da comunicação do palácio em todas as reuniões.
– Não
quero que minha sala fique cheia de repórteres questionando a veracidade do que
foi mostrado, no dia seguinte do filme no ar.
Ou seja, não
fazíamos filme de obras que depois eram abandonadas, nem projetos mostrados no
comercial de um jeito que na real não eram bem assim. Tenho várias histórias,
conto em outro texto.
Quando um
filme tem um problema de roteiro, muitas vezes o cliente não percebe o que
incomoda e gonga a trilha, às vezes são feitas várias pro mesmo filme. Aí vai
pra locução, enfim fica todo mundo batendo cabeça pra acertar.
Peguei um
assim. Filme de trinta segundos, vinte e quatro segundos de cenas lúdicas, três segundos
do produto e três segundos de assinatura.
Já de cara vi
que ia dar merda, quem paga uma puta grana de produção e mídia pra aparecer
somente três segundos de seu produto? Não falei nada na reunião de briefing
porque o roteiro estava aprovado, portanto ...
Vou fazer um
aparte aqui. Antes de ir pra reunião eu cronometro o roteiro pra ver se tem
trinta segundos e já comunico no início da reunião pra ajustar, porque às vezes caem fora
cenas que não precisamos produzir à toa e podemos nos dedicar as que valem. Todos
os filmes desse criativo estourava. Um dia ele ficou puto comigo dizendo que eu
que viajava, que ele sempre conferia o tempo e estava certo. Eu disse então
cronometre esse pra mim. Na minha marcação tava com três ou quatro segundos a
mais, isso significa três cenas mais ou menos.
Dei meu
cronômetro pro cara e ele pegou o roteiro. Ficou em silêncio com o papel na mão
e acionou o tempo.
- Onde
está estourando isso?
Eu falei:
- Você
cronometra o pensamento? Por isso dá errado! Tem que ler em voz alta
articulando bem as palavras pra ter o tempo preciso!
Não preciso
dizer que o cara ficou puto comigo. Mas teve que engolir.
Acho que
ficou com aquilo entalado na garganta, porque esse filme foi um parto pra sair.
Só complicava. Ele colocava defeito em tudo.
Voilá! Filme
pronto tal e qual o roteiro pedia.
Já na
aprovação a própria dupla de criação percebeu que tinha alguma coisa errada. O
filme estava frouxo.
E começou a
detonar o filme.
Depois de
várias versões, vai para o cliente e claro, VOLTA!
Aí aquele
estresse gigante dos caras. Nossa relação já tinha azedado no cronômetro,
imagina nessas alturas como tava. Eu lembro que começamos a bater boca na ilha
até que foram embora putos. Clima péssimo eu puta da vida falei pro editor:
- Vamos montar
o filme que vai ser aprovado.
Já tínhamos
feito vários filmes durante os anos desse produto, então no arquivo tinha
imagem pra caramba. O locutor era o mesmo há mais de uma década, marca
registrada desse governo. Peguei vários trechos da locução de todos os filmes
mais as imagens de arquivo e fiz um monstro, usei só 3 segundos de imagem do
filme dos caras. Pra quem não é do meio, chamamos de monstro uma montagem que é
feita como um layout, nesse caso ficou tosca porque formei um quebra cabeça de
palavras dos diversos filmes pra montar as frases, se aprovado precisaria
regravar a locução. Passei por cima da dupla. Liguei pro superior dos caras e
disse:
-Vou fazer
um monstro e te mandar. Você vai entender de cara onde está o problema desse
filme. Se eu estiver errada, ok.
Fiz e mandei.
Esse monstro foi parar na mão da dupla com o recado: “ajusta o roteiro pra
locução”. Não preciso dizer que esse cara deve me odiar e se algum dia
cruzar comigo num job vai me cortar, ou me aceitar só pra me fazer comer o pão
que o diabo amassou.
A criação devia escutar a direção, principalmente quando conhece o cliente, e deixar o ego de lado. Estamos a favor do filme, não contra. Aqui não é uma questão de quem é melhor que quem. Quem é cliente e quem é fornecedor. As pessoas complicam as relações. Talvez Fernando Meireles nunca tenha passado por isso, é claro.
Aí deixa claríssimo o ego , a arrogância, o não vou dar o braço a torcer pra não me rebaixar entende? Meu Deus o orgulho tbm nos deixa cego.
ResponderExcluirFicando velha amiga, intolerante pra esses tipos
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