Hoje vou contar como o bichinho da política me pegou. Sim, adoro fazer.
Em 2000 a querida Márcia Nepomuceno me apresentou na GW. Uma produtora
que era expert em política, naquela época eu só tinha feito 3 campanhas. Na GW trabalhei com os melhores. Sem desmerecer os outros com quem trabalhei, a GW era PHD em publicidade e marketing para políticos.
2001 Mario Covas morre e Geraldo Alckmin assume.
Ali comecei a fazer os filmes do governo Alckmin, acho que é o político que mais conheço sem nunca ter gravado com ele. Sei o que gosta, o que reprova, o que funciona, o que jamais vai rolar, nenhum filme ia pro ar sem a aprovação dele. Uma vez ele estava no Japão e acabamos a edição do filme na madruga e mandamos pra ele. Não lembro se pediu alguma alteração, mas a última palavra era dele.
Fiquei no mínimo 10 anos fazendo comerciais para o governo ou prefeitura de SP.
Apanheeeeeiiiii pra entender as críticas que faziam dos meus filmes até que peguei a mão.
Eu brochava quando eles falavam:
- Tá muito publicitário Ana!!!!!
Eu olhava pro filme e não entendia o que tava errado. Juro que não entendia.
A última vez que ouvi essa frase foi do Marcelo Vaz e eu pedi pra me apontar os pontos que o incomodavam e eram publicitários.
- A atendente está sorrindo. Olha esse close!!!!!!!
Eles nunca mascaravam os filmes essa era a regra, então maquiagem quase não era usada, tinha que no máximo passar um lencinho de papel no rosto das pessoas para não brilharem.
Quase não tinha figuração, tínhamos que fazer com os trabalhadores, ou moradores, enfim cada filme era um assunto e as pessoas tinham que ser do lugar. Não era fácil.
No caso da moça sorridente, ela era atendente do CAT (Centro de Apoio ao trabalhador). São postos espalhados pelas cidades para ajudar o trabalhador que está procurando um emprego. A recepção era lotada de gente sentadinha esperando ser chamado. Você não pode gravar nada sem autorização da pessoa. E fala sério! Que desempregado quer sua cara exposta num comercial no horário nobre da TV? Então o jeito era gravar meio na lateral pra não identificar as pessoas e aquelas que permitiam o uso da imagem eu já aproveitava e fazia todas as cenas do filme com elas sendo atendidas. Não pedia pra simular, deixava correr solto o atendimento. Close do atendente, close do interessado em emprego, geral do lugar pra mostrar a quantidade de gente atendida por dia, aquela coisa de mostrar como funcionava o lugar. Às vezes pedia pra repetir uma ação como entregar a carteira de trabalho pra gente fazer um detalhe.
Num determinado close da tal garota, confesso que ela não era linda, mas fotografava que era uma beleza. Pra quem é leigo vou explicar. Tem gente que não é bonita que nas fotos e filmes arrasam e tem gente bonita que não tem jeito, não sai bem.
E ela era simpática com o moço, falava, sorria, tudo naturalmente. E foi exatamente esse close da moça que quase gongou o filme.
Eu expliquei pra ele que não pedi pra ela sorrir, ela era simpática de verdade e acho que pra trabalhar num lugar onde você só pega gente pra baixo, o atendente tem a obrigação de dar uma animada na pessoa. Odeio quando preciso de um serviço público e sou tratada de qualquer jeito. Uma má vontade que da vontade de ir embora.
Adoro ir ao Poupatempo, todos são simpáticos, competentes e rápidos.
O Marcelo engoliu o sorriso da moça, porque mostrei nos planos gerais onde ela estava misturada com todos, que ela ria sempre.
O jornalismo e a publicidade não andam muito de braços dados, mas dá pra acontecer. O meu maior problema era agradar a GW e a agência de publicidade ao mesmo tempo, porque uma quer estética a outra quer a verdade nua e crua.
Outro filme que deu ruim. Era a abertura da USP Leste, maravilhosa, gravamos lá e na Cidade Universitária no Butantã.
No Butantã as construções são antigas, muitos prédios são de 1934 e bem conhecidas de todos os estudantes que almejam entrar. Procurei ângulos inusitados de lá, eram só fachadas que tínhamos que gravar e quando a edição juntasse as instalações novíssimas, modernas com as antigas ia parecer, na minha opinião, que a antiga era obsoleta.
A agência chegou e naquele dia foram todos, diretor de criação, redator, diretor de arte, RTV, atendimento, enfim lotou a ilha, não cabia um alfinete.
Passa o filme, e eles aplaudem, isso é raro, ficaram mega felizes com o resultado. Foram embora todos sorridentes com a missão cumprida e eu mais feliz ainda.
Desce o Danilo Palásio, o primeiro abaixo do Gonzalez, assiste o filme e fica indignado comigo.
– Isso tá uma merda, uma MERDA, tá tudo errado!!!!!!! – Disse isso MEIO alterado, graças a Deus, porque quando ficava completamente alterado pelamor!
Choquei!
Mantive a calma e disse:
- Me aponte cada cena errada.
Passamos o filme cena a cena.
- O que é isso? A Poli?
- Sim, é o prédio da Poli, em um ângulo lindo, na MINHA opinião, valorizando a arquitetura do prédio.
- Quem vai saber que é o prédio da Poli? Ninguém!!!!
- Danilo, tem lettering identificando cada prédio, ou seja ...
Não teve argumento que o convencesse.
- Vai voltar lá amanhã e gravar direito.
- Mas a agência acabou de aprovar, aplaudiram! Como vou explicar que o filme que vai pro ar não é o que viram na ilha de edição???
- Ninguém vai questionar nada.
Saiu da ilha. Me joguei no sofá, num misto de frustração e revolta. O Sandro Sabino, editor me disse:
- Ana, se você for encanar com cada coisa que eles criticam, você vai ficar sofrendo sempre (não sei se foram essas palavras, mas o sentido era esse) quer um conselho? Faz feio que aprova.
Essa com certeza foi a frase inesquecível.
Rimos muito. Voltei lá na Cidade Universitária e gravei o que todo mundo já tinha feito, prédios chapados com o Totem identificando.
Fiquei pensando o quanto a agência deve ter me apedrejado, metaforicamente, quando viram o filme no ar. Mas hoje vejo que ele tinha razão, em dois segundos ou menos você tem que reconhecer de cara. Era o jornalismo x publicidade.
Outra saia justa. Reunião numa agência grande. Mesa enorme lotada, inclusive o dono estava presente. Da produtora só eu, o produtor e o atendimento que eu adoro, mas não vou citar o nome porque neste dia eu quis matá-lo.
O dono da agência me pede pra ler o roteiro. NESTE momento nosso atendimento, se desculpa e diz que precisava atender o telefone do filho que estava na Alemanha, saiu da sala e mandou tocar a reunião.
Comecei a ler o roteiro, logo na segunda frase, o DONO me interrompe fica em pé e diz puto:
- Que roteiro é esse? Não é o nosso roteiro!
Imagine minha cara com aquele roteiro nas mãos aprovado pelo palácio do governo!!!!!!!!
Aí entendi a ligação da Alemanha.
A GW conhecia tanto seu cliente que já sabia o que tinha que mostrar e falar. E tenho que tirar o chapéu pros caras, eles realmente entendiam do traçado.
O DONO começou a se alterar, eu fiquei muda, se pelo menos meu “amigo” tivesse me avisado eu saberia contornar a situação. Se desculpou comigo várias vezes dizendo que eu não tinha culpa, que estava de inocente na história. Enfim a saia justa foi tão grande que não lembro como terminou, mas o roteiro filmado foi o da GW e a agência teve que assinar.
Outra vez era um filme de escola para prefeitura. O produtor visitou várias e encontrou uma pérola no meio das outras. Claro que escolhi essa e fomos.
O filme apresentava uma novidade dessa gestão, agora teriam dois professores em sala de aula. Então tinha que mostrar um aluno com dificuldade para a segunda professora dar uma atenção especial, enquanto a outra continuava com a aula.
Fizemos um teste de VT enorme com crianças que não eram daquela escola pra não atrapalhar a rotina, mas eram por exigência alunos de escola pública. Tinham várias idades de sete até um de quase dez na mesma sala, isso era comum então variamos as idades. Fazíamos o filme com muita pesquisa para retratar a realidade.
O escolhido foi um garotinho com cabelos claros, como ele era pequeno eu coloquei crianças da mesma altura ao lado e atrás da carteira dele pra não ficar estranho. Deixei os mais velhos mais espalhados nas laterais e ao fundo.
A sala tinha um L de paredes cheias de cartolinas com desenhos dos alunos e uma estante pequena com livros, a lousa na terceira e na outra só janelões de ponta a ponta.
O diretor de Fotografia, Christian Perez, fez uma luz linda entrando pelas janelas como se fosse o sol da tarde.
Nós só empurramos a estante que era pequena mais pra direita pra aparecer lá no fundo. Compor o quadro como chamamos.
Editei o filme, na pós produção o diretor de fotografia deu um tapa na foto e mandamos o filme para aprovação.
No dia seguinte eu passei a madrugada toda passando mal, intoxicação alimentar. Muito mal, quase desmaiei no banheiro, corria toda hora.
Toca o telefone de manhã e era Deus me ligando. O próprio Gonzalez, o melhor marqueteiro com quem trabalhei, não errava uma. Eu pensei: “O que pode ter dado de errado no filme?”.
- Bom dia Ana, tudo bem?
Eu pensando, Jesus não posso passar mal nesse momento e dizer: “Gonzalez espera um pouquinho que vou ali vomitar e já volto.” Quem já passou por isso sabe que quando vem nem dá tempo de você avisar.
- Bom dia Gonzalez! Pra você me ligar ou é uma coisa muito boa ou uma MUITO ruim. - Ele riu e foi direto ao ponto, não é um cara que enrola até chegar onde quer.
- Ana, por que você escolheu um menino de cabelos claros? Por que a menina que está atrás dele é uma ruiva? Me diga sinceramente, sem medo, alguém da agência pediu para não colocar negros? Essa escola é municipal? Fica onde? Qual o nome? O prefeito disse que mais parece a escola Porto Seguro (uma escola da elite aqui de SP).
Gelei. Pensei, mas não ousei dizer que o prefeito precisava fazer uma visita ao Porto Seguro ou a uma escola pública pra relembrar a aparência e uniforme das crianças, foi uma comparação infeliz a dele.
- Todas as crianças do filme estudam em escola municipal, escolhi o menino de cabelos claros porque além dele ter sido o melhor no teste, não podia colocar um negro no papel do aluno que tem dificuldade de aprender. A menina ruiva, se você reparar é sarará (pra quem não sabe, são mestiços de brancos e negros cuja principal característica é a presença de cabelos crespos, loiros ou ruivos) e espalhei as crianças pela sala conforme o tamanho delas pra ficar harmônico. Ninguém da agência me pediu esse absurdo e tem tantos negros quanto brancos nesse filme.
- Você maquiou a escola?
- Não, só desloquei a estante mais pra direita.
Na publicidade fazemos muito isso, se a parede está muito feia, pintamos, cobrimos com quadros, tiramos uma coisa da secretaria, e colocamos na sala, enfim, damos um tapa pra ficar bonito. Mas na GW isso era proibido tinha que ser como era. E essa escola como eu disse era uma pérola. Até perguntei pra diretora como ela conseguia deixar tão “diferente” das outras escolas. Ela respondeu que ali se quebrasse um vidro, no dia seguinte era trocado, porque se fosse deixar acumular nunca iria ter condições de manter assim. Excelente gestão.
- Bom Ana, o filme ficou muito bonito.
- Que bom, fico feliz com isso!
- Mas foi um tiro no pé. – Gelei.
- Eu não sei o que você vai fazer, volta pra ilha tira filtros, se usou, e deixa mais tempo a geral da sala, porque não parece um filme de prefeitura.
Essa geral a que ele se refere era pra dar mais tempo de perceber a miscigenação. Normalmente num comercial a cena não dura mais de dois segundos, então tive que deixar essa mais longa.
Coitado do Christian, acabei com a fotografia dele, o filme perdeu um pouco do ritmo alterando o tempo das cenas, mas ficou a gosto do cliente que é o que importa.
O prefeito fez questão de visitar a escola para ver com os próprios olhos o brinco que era. Foi mais ver pra crer, acredito.
Infelizmente não tenho mais o filme, foi feito numa produtora que fechou.
Vou parar por aqui porque tenho muito pra contar desses dez anos de GW trabalhando e aprendendo com esses caras geniais. Eles realmente eram os melhores, demorei pra entender esse outro olhar. Quando consegui sintonizar, não questionar mais nada, eles resolveram se “aposentar”. Falo que tô sempre na contramão!
Difícil foi trabalhar com outros e perceber claramente quando estavam tomando o caminho errado, que ainda dava tempo de reverter e era ignorada, afinal quem sou eu nesse universo masculino? Só me restava assistir de camarote a derrocada e ficar frustrada porque quando você está envolvido numa campanha quer que o candidato ganhe. Nunca essa experiência de dez anos com os melhores foi levada em conta. Mas bastava um cara falar: “Quando fiz UMA campanha com o Duda Mendonça...” Pronto!!!!! Já era quase ovacionado.
Que saudade! Quantos mestres! Discretos. É muito bom quando você pode elogiar de boca cheia pessoas que admira muito, que nunca mais vai ver. Porque ninguém pode dizer que é “puxa saquismo” pra conseguir trabalho.
Obs: Não consegui uma foto do Marcelo Vaz
Difícil agradar gregos e troianos, meus Deus, quantos "perrengues" kkkkk...
ResponderExcluirpois é!
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