Durante uns vinte e cinco anos só usei roupa preta, no máximo um cinza, mas o preto predominava, eu lembro de um ascensorista que me chamava de viuvinha alegre todo dia que chegava na agência que trabalhava, eu devia ter uns vinte e três, vinte e quatro anos.
Lembro também da Marina Darim, é amiga de minha filha até
hoje, mas ela fez essa pergunta quando elas estavam no ginásio.
- Sua mãe só usa
preto?
Ali que realmente me dei conta.
E como no áudio visual, praticamente a equipe toda usa preto pra não refletir em nada, virou meu guarda roupa.
Mesmo que eu tentasse colocar uma cor, quando chegava no elevador de casa pra sair, voltava correndo e colocava preto. Não conseguia. Era uma agonia usar cor.
Ouvia muito:
- Você precisa fazer terapia pra resolver isso.
Mas como não me incomodava, entrava por um ouvido e saía pelo outro.
Atééééé que recebi o convite pra ir pra Angola.
Pesquisa de temperatura, que tipo de roupa levar tive que em fevereiro sair pra comprar roupas de alto verão. E pasme! Eu nunca tinha reparado que no verão eles já mudam a coleção pra outono, no inverno pra primavera, ou seja, NÃO TINHA UM LUGAR pra eu comprar roupa de verão, tipo vestido.
Achei UMA loja. Fui. Entrei num pesadelo. Nunca vi tanta cor junta e tanta estampa misturada. Tive que comprar porque realmente eu não tinha roupa leve e nessa época só usava jeans.
Minha sorte que na casa não tinha espelho então eu colocava, nem pensava e saía pro trabalho. Se eu coloquei calça lá deve ter sido uma ou duas vezes, o resto só de vestido.
Até que o Rodrigo Bueno, o segundo produtor chegou. Ele a princípio parece um cara mal humorado, mas é o cara mais engraçado sem abrir a boca que conheço. Coitado virou o faz tudo, além de produtor era o “marido de aluguel”. Quebrava alguma coisa na casa: Rodrigoooooo! No minuto que entrou em meu quarto, deu uma olhada geral, olhou feio minhas roupas na mala, saiu sem falar nada só balançando a cabeça negativamente. Eu pensei:
- Nossa será que minhas coisas estão tão molambentas? – O Rodrigo é casado com a Ana Pool produtora de figurino e uma grande amiga. Imagine como deve ser organizada as roupas deles!
Rodrigo voltou com um mancebo, um espelho de corpo todo e não lembro se trouxe umas prateleiras pra eu tirar minhas roupas da mala. Mas deu um jeito até no lençol que a gente esticava mal e porcamente na janela pra fazer de cortina.
Ainda bem que ele chegou acho que um mês depois porque eu já tinha me acostumado a me vestir como uma colcha de retalhos coloridos. Se tivesse chegado antes ia ser um parto pra sair com isso.
Angola foi minha terapia, me libertei do preto. Uso nas filmagens, mas tenho muitas cores agora pro dia a dia.
Angola é terra cota e muita cor, o contraste é belíssimo. Usam cores e tecidos que jamais usaria, mas neles fica lindo.
Tem seu lado machista forte, você vê a mulher carregando um bebê amarrado no corpo e na cabeça pode ter até um micro ondas e o marido caminha na frente rápido sem ajudar em nada. Culturas diferentes.
Me perguntaram aqui se fui desrespeitada lá como diretora, não fui porque como eu era bem mais velha que a equipe, me respeitavam.
Lá eles respeitam muito os mais velhos, então no trabalho não tive problema.
Já com os policiais....
Andávamos juntos sempre, então quando íamos para o centro pra jantar, pegar uma praia era uma viagem nervosa pra mim porque os caras dirigem como loucos. Não tem um carro que não tenha uma batidinha na lataria, e eu com esse medo de carro sempre me arrependia de ter topado o passeio. Nosso bairro ficava bem longe do centro de Luanda.
Era batata! Carro com brancos dentro era parado em quantas blitz tivesse pelo caminho, uma vez indo jantar nos pararam 3 vezes, quase desistimos de chegar no restaurante, e eles sempre inventavam uma infração absurda que o carro tinha cometido e a multa era altíssima. E mesmo que o motorista falasse que não fez aquilo era tratado com brutalidade pra intimidar mesmo. Aí era pagar a multa ou dar uma “gasosa”, propina, pros caras.
Pediam 1.000 Kwanzas por cabeça, um absurdo! E numa dessas era dia, eu estava sentada na frente, no banco do passageiro e o André Cavalcante no volante, ele disse que só tinha tanto e o policial fez cara de deboche e saiu da janela dele e foi caminhando na frente do carro, tipo pra pegar o bloquinho e multar. Todo mundo fez uma vaca no carro e o André esticou o braço pra dar pela minha janela. O cara pegou o dinheiro contou, olhou pra mim com um desprezo tão grande e jogou nas minhas pernas murmurando algo como puta. Só faltou cuspir em mim.
Nunca fiquei tão chocada na minha vida. O trem me balançou tanto que nem lembro como nos livramos da parada.
Outra situação tensa que passei lá foi numa outra ida ao centro. Na Van só o motorista era angolano o restante brasileiro.
Todos com suas câmeras fotografando tudo. Estávamos parados num trânsito da porra e eu caí na besteira de fotografar a cúpula de uma igreja nem era tão singular pra merecer uma foto, mas fiz. Pra quê!!! Uma mulher na rua achou que eu tinha tirado uma foto dela. Começou a me xingar de tudo quanto que é nome, batia na Van, queria me bater, e eu explicando que a foto não era dela mostrava a maquina pelo vidro mostrando a cúpula e nada daquela louca parar o piti. Ia quebrar o vidro. Assustador. Nunca ninguém me olhou com tanto ódio e desprezo como ela. O Edu Fazzio diretor de arte, sempre calmo (MUITO CALMO) perdeu a paciência com a mulher começou a gritar com ela, me defendendo (eu sempre falo que nunca me defenderam na VIDA e acabo de lembrar que ele estava pronto pra brigar por mim. Obrigada Edu! Nunca vou esquecer, você não tem idéia da importância disso pra mim) e queria sair pro pau. Todo mundo segurando mesmo o Edu pra não abrir a porta da Van, ele ficou completamente fora de si, pra ver como a mulher foi louca. A energia mexeu com todo mundo. Até que o motorista começou a ofender a mulher de um jeito tão baixo e agressivo que ficamos chocados, começamos até dizer pra ele pegar mais leve, imagina! Mas como foi um angolano que gritou, imediatamente ela abaixou a cabeça e foi embora.
Nessas 2 situações eu entendi uma nano partícula do que um preto sofre a vida inteira com olhares desprezíveis de branco. A humilhação, o olhar de nojo, de você ser um verme.
Nós brancos pensamos que entendemos o racismo, o que eles sofrem. Não temos nem 1% de idéia do que passam desde a infância.
Mas vamos encerrar com coisas boas.
Angola me libertou!
Antes de terminar sua história eu já estava preparando meu comentário sobre o racismo, e quando continuei lendo vi q vc tinha escrito o q iria comentar, realmente brancos não tem como sentir na pele o que eles passam, mas nem um milésimo....😣
ResponderExcluirE sobre a cor preta nas suas roupas fiquei surpresa kkkkkk.....mas 25 anos é muita coisa , quando te conheci vc não usava preto assim... 🤔🤔🤔🤔🤣🤣🤣
Você não reparou , mas nunca usei cor, agora tô um arco íris
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ExcluirRacismo, machismo, autoritarismo... e a mulher fora de si ....
ResponderExcluirMegalomania, falta de Deus....
Coisas da vida, ainda!!
Gostei dos modelitos🥰🌺
bj grande Marcia
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