Em 1986 pedi demissão da Globotec e passei a ser freelancer.
Por coincidência a principal concorrente de produções em
vídeo tinha um diretor de fotografia fixo que estava saindo de férias, fiquei
um mês trabalhando direto.
Novo no mercado de freelancer não sabia direito como
funcionava, a única referência que tinha era dos diretores de fotografia que
trabalharam na Globotec, em média o que eles ganhavam em um dia eu ganhava por
mês. Só que nessa produtora meu cachê não chegava nem a metade. E assim fui
levando também em outras produtoras, topando o trabalho por qualquer cachê.
Mesmo com o diretor de fotografia voltando de férias
continuei trabalhando lá, reclamando do cachê, mas fazendo os trabalhos. Até
que um dia recebo um telefonema de um RTV de uma agência grande que era amigo,
eu tinha feito com ele muitos trabalhos ainda fixo na Globotec, Marcelo Avian.
Ele me disse:
- Fernando, vou ter
que fazer um trabalho na produtora tal (essa que me pagava menos da metade)
e o seu cachê é “x”, exigi que fosse você
então não aceite menos.
O cachê era o de mercado, só fiquei esperando o
telefonema da produtora, não demorou muito e o coordenador me liga:
- Entrou um
trabalho e eu indiquei você... O cachê é “y”.
Ele me ofereceu de novo menos da metade, recusei e disse
que daí em diante só trabalharia pelo meu cachê.
- Ah, então
infelizmente não vai dar pra fazer com você. – se despediu e desligou.
Já tinha ficado puto por ele dizer que tinha me indicado,
coisa besta pra ganhar ponto. Fiquei ao lado do telefone só esperando ele ligar
de novo, lógico que ia tentar com o Marcelo trocar o fotógrafo, tinha certeza de
que meu amigo não ia topar. Toca o telefone.
- Olha, esse vamos
fazer, mas se você continuar cobrando esse valor não vai dar pra trabalhar mais
contigo.
Só respondi:
- Tá bom, não tem
problema.
Deu tudo certo com o trabalho e eles não me chamaram mais
e ainda tentaram me queimar espalhando no mercado que eu era caro. O efeito foi
o contrário, até então os trabalhos que apareciam eram de pequeno orçamento, a
partir daí, por eu ser “caro”, começou a entrar trabalhos melhores com cachês
melhores. Até hoje agradeço ao Marcelo e a essa produtora.
Descobri anos depois que algumas produtoras tinham o
chamado OIS, Ordem Interna de Serviço. Dentro do orçamento a produtora colocava
uma margem de lucro que variava entre trinta e cinquenta por cento do valor
bruto do orçamento. Produtoras que trabalhavam com essa OIS (em algumas
produtoras o nome era diferente) além do lucro, antes de passarem o custo para
a produção, ainda reduziam o valor de todos os cachês aí conseguiam ter mais lucro ainda, quer
dizer, em todos esses trabalhos que fiz ganharam em cima. Aprendi a estipular
um valor para o meu trabalho e não fazia por menos, pelo menos enquanto o
mercado estava muito bom, depois é outra história...
Nessa profissão às vezes aparecem janelas que te mudam de
patamar. Fazia trabalhos em produtoras de porte médio até que pintou um
trabalho em uma produtora grande, comercial de cerveja em vídeo com duas
diárias. O diretor foi o mesmo do texto “Orgulho”.
Pré-produção normal, pedi a luz que precisava, a equipe
era fixa. A primeira diária foi rodada no estúdio que era na produtora. Agência
em peso, muito palpite, mas tudo correu suave. No final da diária o coordenador
de produção me chama pra conversar na sala dele.
- Se
quiser continuar trabalhando aqui preciso te disser algumas coisas.
Fiquei atento, curioso no que ele iria dizer.
-
Você tem que pedir o triplo de luz que pediu, nem que ela fique encostada, não
tenho como justificar o orçamento se pede tão pouco. Tem que tratar a equipe de
uma forma mais dura, não pode ser tão amiginho. E o principal, você não pode
ser tão feliz no set, principalmente na frente da agência.
Agradeci e disse a ele que não precisava me chamar mais
depois da segunda diária.
Entendi porque tantos diretores e diretores de fotografia
mudavam completamente sua personalidade quando passavam a trabalhar em
produtoras grandes. O glamour da publicidade na época exigia que, mais do que
profissionais, as pessoas tinham que ser atores de uma comédia triste.
Nunca mais quis sair do meu mercado de produtoras médias, lá eu sou feliz até hoje.
🙏🤝👏👏👏
ResponderExcluirValeu, obrigado!!!
ExcluirExcelente. Não podia ser gente no set. Que absurdo, ouvir aquilo. Abs
ResponderExcluirObrigado Geraldinho, foi um absurdo mesmo, mas acho que tomei a decisão certa.
ExcluirFernando e Ana,
ResponderExcluirEm primeiro lugar, mais uns vez, parabéns pelo Cinematórias. Adorei este episódio por vários motivos, o principal é a forma singela e humana como vocês contam histórias de vida que descrevem momentos comuns de um jeito todo especial. Como também atuo no mercado publicitário e tive a oportunidade de trabalhar com o Fernando, esse episódio me transportou para os sets de gravação onde ele, inúmeras vezes, iluminou os ambientes de trabalho com a suavidade e alegria naturais da sua personalidade.
Abraços aos dois e até a próxima.
Wagner Bezerra
Obrigado Amigo. Um aviso a todos que eventualmente leia esse comentário. O Wagner tem um canal no YouTube e no Instagran o Cibereducomunicação, vale muito a pena.
ExcluirObrigada Wagner! bj grande
ExcluirComo é bom ler essas histórias, mais ainda pelas escolhas que você fez. Sempre achei que o meio podia e devia ser bem melhor.
ResponderExcluirConcordo Renata, esse meio às vezes é cruel, ou vc aceita ou como eu fica onde está, nessa opção não se corrompe. Muito Obrigado.
ExcluirComo as pessoas se submetem as certas coisas não?
ResponderExcluirQue absurdo escutar tudo isso.
Ainda bem que ainda existem pessoas como vc. Obrigada .
Cada um tem seus limites Katia nunca iria concordar com o que foi proposto.
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