Série - 30 Anos de uma Mulher no Universo Masculino - Texto de Ana Cal com participação afetiva de Simone Bastos

 



 Muitas vezes (até hoje) nesses 30 anos de profissão alguém parava perto do set e “por um acaso eu estava ali” e perguntava:

- Quem é o diretor?

Eu apontava pra qualquer um do set e dizia: 

- Aquele ali!

Nunca reparei se o cara no meio da filmagem percebeu quem era “o diretor”.

Tantas outras vezes cheguei em uma produtora que nunca tinha trabalhado e ficava esperando a pessoa que ia me receber, aí percebia uma rodinha de conhecidos e ia lá papear, mas nem todos eram conhecidos e sempre tinha uma pessoa que não me conhecia e me tratava com desdém, tipo: Quem é essa aí?  Sei lá se pensava que eu era concorrente pra ter essa antipatia gratuita.

Eu continuava como se não percebesse, mas guardava bem a cara da pessoa pra cortar se algum dia me indicassem pra fazer parte de minha equipe, e era batata quando chegava alguém de “cima” e fazia festa pra mim a pessoa perguntava pros que estavam na rodinha quem eu era, já com cara de hummm fiz merda.

Do nada vinha numa puxação de saco querendo ser amiga puxando papo. Sororidade é um movimento que surgiu com essa nova geração, até pouco tempo isso não existia. E como não levo a bordoada pra casa, dou o desprazer de me conhecer do avesso, ignoro a pessoa com desprezo.

Minha filha fala: 

- Você é toda simpática, mas quando quer dar um gelo trava qualquer um.

Fujo de quem trata as pessoas bem pelo cargo que ocupa.

Eu tinha uma produtora junto com meu marido e quando passava do horário da recepcionista, atendia o telefone quem primeiro pegasse. Peguei.

-Alô vocês alugam o estúdio?

-Sim, você já conhece?

- Não, mas me foi indicado.

-Com quem eu falo?

Deu seu nome que terminava em X e para deixar claro disse:

-  É com X de Xooooxóoooota

Falou bem devagar, num tom irônico e riu. Eu não acreditei que estava falando com um cara tão babaca assim. Respondi:

-Infelizmente não temos horário disponível e bati o telefone.

Fiquei imaginando se a Rose que é tímida, educada e gentil tivesse atendido.

Que tipo de pessoa fala isso para uma mulher?

Fui contratada por uma produtora bacana, estava super feliz. Todos os dias no final da tarde um criativo era convidado pra tomar um vinho ali e conhecer os diretores da casa. Fazer lobby com os criativos pra mim sempre foi uma dificuldade porque homem vira brother e mulher vira “oferecida”. Não dava pra marcar um jantar ou happy hour com os caras como meus colegas faziam então era complicado.

Na produtora tinha um grande salão onde ficavam as mesas de produção, os diretores, atendimentos e quatro salas, a dos dois sócios e da moviola (a mesa de montagem dos filmes) e a sala de reuniões, então todo mundo ouvia o que era falado ali.

Isso foi em 1993, fazia duas semanas que eu estava na produtora e disse pro pessoal: 

– Vou ali me casar e já volto.

Eu não conhecia essas pessoas antes de entrar nessa produtora, então eles não sabiam que eu estava pra me casar. Fui ao cartório fazer aquela papelada pra trinta dias depois poder casar e voltei.

O Ricardo Dela Rosa que conheci ali não se conformava com a minha naturalidade em falar aquilo e virou piada por muitos anos.

Masssssssssss um dos sócios fez cara feia quando voltei. Não entendi e não perguntei, afinal ele não tinha nada a ver com minha vida pessoal.

Seis meses depois, já casada, estava saindo da produtora com minha assistente, já na rua, quando esse sócio vem atrás me chama e diz: 

- Ana você tem que ser mais ... pausa - mais ... assim... aproveitar esse cabelão e esses peitões pra seduzir os criativos.

Eu fiquei parada segurando a porta do carro aberta olhando pra ele e quieta. Sumiram as palavras. Me despedi e entrei no carro. 

Silêncio.

Umas duas quadras pra frente eu perguntei pra Fernanda:

– Fê esse fdp disse que era pra eu dar em cima dos criativos, foi isso mesmo que eu entendi?

- Foi. - Respondeu bem puta da vida

Alguns dias depois pedi demissão. Ele ficou puto 

- Eu ia fazer de você uma diretora famosa e você quer jogar isso tudo no lixo! Então vai fazer seus vetezinhos de merda!

Saí feliz por ter segurado meu gênio e não ter metido a mão na cara do idiota, por outro lado bem chateada ao perceber que o cara tinha me contratado para ser o boi de piranha pra atrair clientes pra produtora. Fui tão discreta que ninguém percebeu o que aconteceu, só contei para os mais próximos.

Uns meses depois a secretária da produtora me ligou chorando dizendo que tinha uma notícia bem triste pra me dar.

- O Fulano nos deixou, morreu.

Não me contive

- Que o capeta o receba de braços abertos!!!!!já foi tarde!

Aí percebi que ela ficou chocada, que gostava dele e me desculpei explicando que minha relação com ele não terminou bem, que eu sentia muito por ela, mas não por ele.

Outra coisa que evito é ir em festa de produtora.

Eu sempre trato muito bem as pessoas sem diferenciar se é o presidente da empresa ou o porteiro. Puxo papo, dou risada enfim, meu jeito.

Tinha uma produtora que comecei a trabalhar direto e conhecia todo mundo, sempre que ia ao almoxarifado pedir alguma coisa  brincava com o o cara que ficava lá, que era muito, muito quieto pra ver se quebrava aquele silêncio até que numa festa de fim de ano, cheguei um pouco mais tarde que os outros, todo mundo meio bêbado já e encontrei o cara. Ele me cercou, começou a me encurralar num canto com cara de tarado e eu sacando que o cara tava bêbado falei:

- Ei fulano! Tá me estranhando? Para com isso!

E o cara foi me deixando sem saída e eu não via ninguém perto pra pedir help, já tava me preparando pra gritar e espancar o cara quando um editor (querido) viu e foi bufando pra cima do cara.

- Tá louco cara?  Olha o que você tá fazendo! Você tá pensando o quê? O fato dela te tratar bem quer dizer que ela tá dando mole?  É isso? Você tem que ser tratado como nada pra não confundir as coisas? Some daqui se não vou meter porrada na tua cara.

Não preciso dizer que ali foi o oi e tchau pra festa, pedi pro meu marido ir me pegar e nos 20 minutos que demorou pra ele chegar foi o tempo que fiquei.

Quantas e quantas vezes alguém da equipe confundiu a minha “simpatia” com dar bola. No começo eu me aborrecia, com os anos fui ficando calejada e aquele que eu percebo que não entendeu bem a parada (siiiim até hoje acontece) eu me afasto.

Isso não deveria ser comum.  Conversando com Simone Bastos que também é diretora e começou na mesma época que eu, percebi tantas coisas em comum que vivemos e as atitudes que tivemos que tomar pra conviver nesse universo masculino, que pedi pra ela histórias pra postar aqui . 

Essa foi o primeira.

Vou escrever na primeira pessoa.

“Quando saí do Mackenzie, o professor Alan Kardec me arrumou um estágio na TV Bandeirantes. Eu estagiei em vários departamentos e eles me davam uma visão geral do que rolava. Eu fiquei querendo ser amiga de todo mundo, menina nova, recém formada. A simpática. E quando fui para o departamento onde eles regulam as câmeras, o cara que ficava lá me explicou como funcionava o wave form (aparelho que mostra a imagem em forma de onda) e outras coisas técnicas e eu fiquei lá conversando com ele, batendo papo quando me disse:

- Bom já te expliquei tudo como funciona e agora pode rolar?

- Oi?

- Tamu aqui, nesse escurinho, ninguém vai entrar aqui, vamu aí vai

- Vamo aí onde? -Realmente eu não estava entendendo o que ele tava falando.

- Meu! Tô a fim de ter alguma coisa com você! Vamu aí, tal, tamu aqui só nós, vamos curtir.

Aí eu vi aqueles intercomunicadores que se falam entre os departamentos, abri o áudio e disse:

- Olha aqui seu ridículo, você pensa que eu sou o quê? Eu venho aqui numa boa pra aprender, eu não tô a fim de tirar o lugar de ninguém, eu já tenho esse preconceito de que ninguém quer me ensinar nada porque acham que eu vou tirar o lugar de alguém, agora você vem se oferecendo pra transar comigo aqui???? Cê é louco, seu nojento, idiota, imbecil e olha aqui seu babaca eu abri o áudio e todo mundo ouviu. Me da licença.

Sai.

Bom foi a fofoca do momento na TV Bandeirantes, os caras tiraram o maior sarro do cara, ele queria me matar, o assunto foi parar na diretoria, eu sei dizer que foi um furdunço que aconteceu.”

É isso aí Simone!!!!!!!! Santo intercomunicador!

O assédio até pouco tempo ficava somente entre as duas pessoas envolvidas, a mulher não contava por vergonha ou medo de perder o emprego e o “garanhão” continuava disparando pra todos os lados, impune. Hoje já temos lei para punir, mas o babaca conta com o constrangimento da mulher que não denuncia por saber que na maioria das vezes é desacreditada e se bobear difamada. Então esse tipo continua na ativa vide manchetes recentes de assédio por parte de jogadores de futebol, dirigentes, políticos, pastores.

A única maneira de acabar com isso é a educação. Criar meninos que entendam que isso é agressão e quem sabe num futuro utópico, isso vire uma lenda suja e inimaginável.


Comentários

  1. Nossa Ana , me identifiquei qdo vc diz sobre confundirem simpatia com ser "dada", "oferecida", já passei muito perrengue com isso, inclusive com outras mulheres🤦‍♀️🤦‍♀️😪

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    1. Ser simpática e expansiva tem seu preço Lilian mas não vamos mudar nosso jeito por causa de algumas pessoas que não conseguem ler nossas intenções. bju

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  2. Márcia Ricco Paiva22/06/2021, 15:54

    Que nojo!
    Não tolero nem que fiquem me encarando, quanto mais esse tipo de proposta!
    Sou massoterapeuta….
    No início, novinha, sem experiência, ficava avexada quando recebia alguma cantada ou elogio. Não queria partir prá ignorância mesmo porque, sempre trabalhei por indicação.
    Com o tempo, fui aprendendo a colocar os devidos limites e energeticamente, afastar os os mal intencionados!
    Valha-me, Deus.

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    1. Credo Marcia com você deve ser pior ainda porque toca no corpo. Idiotas!

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  3. Ana , lembra quando trabalhávamos em Banco? Trabalhar com público tem que ser simpática e amável, e isso era sempre confundido como dar "mole", cansei de tomar cantadas indecentes e me esquivar da tal confusão de ser simpática e ser oferecida, mas com minha língua ferina eu não deixava passar não rsssss...... passei por cada uma....

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    1. Nossa! Lembra? Affe ! A gente era educada até passarem da linha kkkk

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    2. Siiiiimmmm....rssss...

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