Eduardo Ramos Quirino - Texto de Fernando Nunes

 



A partir de 1981, quando entrei na Globotec, praticamente só fiz publicidade, mesmo depois de sair no mercado como free lancer em 1986, com algumas exceções. Até porque naquela época tudo era segmentado. Tinha a turma que fazia publicidade e a turma que fazia longa, curta e documentário. Tinha a turma que fazia publicidade em vídeo e a turma que fazia publicidade em filme, não se misturavam. 

Conheci o Edu Ramos em uma produtora chamada Conecta, depois trabalhamos muito tempo juntos.

Formado em jornalismo o Edu além de diretor é excelente roteirista, não gosta muito de publicidade, seu prazer é conteúdo, principalmente voltado a educação, apesar de termos rodado um tanto bem grande de comerciais além de duas campanhas políticas no Ceará.

Talvez por isso seu trabalho em publicidade é diferenciado. Não tem aquele preciosismo imaturo de grandes movimentos de câmera sem sentido, cortes alucinados, atuação de ator exagerada, muitas mudanças de planos na mesma cena, nada da publicidade convencional. A sensação que tinha quando assistia o comercial montado era que ele tinha cortado um trecho de um curta ou longa e pronto, tudo estava lá, até o pack shot quando era o caso.

No set é bem humorado, mas ao mesmo tempo concentrado. Tem uma coisa rara, é capaz de dar uma “bronca”, por exemplo, na produção e voltar a conversar e sorrir com todos, conheço alguns diretores que quando ficam chateados com alguém, ficam com toda equipe. Como trabalhei bastante com ele vejo alguns sinais. Quando começa a ficar incomodado com alguma coisa primeiro começa a ficar um pouco vermelho, depois pega com as pontas do dedos na altura do peito na camisa (ou camiseta) e faz o movimento de vai e vem, como se estivesse se abanando...ai segura.

Impossível falar de todos os comerciais que rodamos, mas pelo menos de dois

no Ceará tenho que contar.

Desculpe mas não vou lembrar os nomes das cidades. O primeiro o roteiro  tinha o nome de “Mutirão”. Planos mais fechados e de conjunto mostravam pessoas construindo alguma coisa, serrando madeira, pintando, etc. Todos os  figurantes eram de uma pequena cidade próxima de Fortaleza onde fomos filmar, mobilizou quase todas as pessoas de lá. 

No final do comercial, em um grande plano geral, víamos o que estavam construindo, a palavra “Ceará” em madeira com uma proporção gigante, vou contar pra vocês, era grande mesmo. Imaginem a dificuldade de dirigir um monte de gente que nunca tinham visto uma câmera na vida, e o Edu ainda “peitou” a agencia. Eles achavam impossível fazer essa cena final ficar grandiosa com “Ceará” escrito de verdade, em madeira, queriam porque queriam que fosse feito eletronicamente, não teria comparação com o resultado final (vídeo no final do texto).

O segundo foi um comercial para a Coelce, companhia de energia do Ceará. Também foi filmado no interior e também mobilizou quase a cidade inteira. Um andaime de mais ou menos uns quinze metros foi montado. No enquadramento tínhamos a igreja em primeiro plano e a vista da cidade ao fundo. Por opção estética resolvemos rodar na “hora mágica”, aquele momento em que o sol já sumiu no horizonte, mas ainda temos um pouco do azul do céu.

Preparamos tudo no primeiro dia, reforcei a luz onde precisava e ensaiamos com a Coelce, a cidade começava escura e ia acendendo. 

Fiquei imaginando como o Edu resolveria a movimentação na cidade, e ele resolveu. Espalhou vários produtores em pontos estratégicos, cada um com seus figurantes (habitantes da cidade) e combinou uma contagem, se não me engano de um a dez. Com um sistema de som ele, depois de ensaiar com cada produtor separado, só fazia a contagem. Então quando falava: um, os produtores soltavam aos poucos a “figuração”, garotos na frente da igreja jogando bola, no fundo pessoas entravam em quadro, um carro saia, etc. Quando continuava a contagem movimentações diferentes aconteciam em todos os lugares. Não é genial?

No começo do texto escrevi que basicamente fazia publicidade. Em 1999 o Edu me convidou para rodar um curta em 35mm, “Algo em Comum” (vídeo no final do texto), uma analogia da opressão comparando o tratamento bárbaro sofrido por crianças judias na segunda guerra, com o tratamento sofrido no Brasil por crianças em condição de total desamparo social.

O curta começa com pessoas, mais idosas, chegando em uma sala de ensaio. Corta para um menino preto correndo pelas ruas de São Paulo como se estivesse fugindo, até ele ir se esconder nessa sala de ensaio, agora vemos que é um coral de judeus cantando em iídiche. A partir daí é a interação entre a maestrina e o garoto. 

Duas sequencias mudaram completamente minha percepção de linguagem cinematográfica até então desconhecida para mim. Lógico que sabia dos “times” diferentes, mas eu era um bicho publicitário, uma coisa é você ser um espectador externo, outra é você estar lá, com o olho no visor e participando diretamente. 

Montamos um travelling no meio de uma fileira do coral com a câmera em um dolly. Para quem não sabe o Dolly faz movimento de cima para baixo ou de baixo para cima com um sistema hidráulico e esse equipamento pode ser montado em trilhos de travelling. A câmera começa mais baixa e a um sinal do Edu começaria o movimento de travelling ao mesmo em que o dolly ia subindo até chegar em close da maestrina. 

Tudo pronto, o Edu manda soltar o playback e a câmera. Na minha cabecinha publicitária fiquei pensando que ele ia mandar fazer o movimento assim que a câmera rodasse, mas nada dele pedir pra começar o movimento, e eu pensava:  mas que desperdício de negativo...Depois de alguns segundos dá o sinal, o maquinista começa o movimento e chegamos ao close, e o Edu não mandar cortar a câmera, para mim assim que chegasse ia pedir para cortar, ficamos no close um tempo até que finalmente corta a câmera.

Em publicidade o comercial normalmente tem quinze, trinta ou no máximo um minuto, temos que contar o roteiro de uma forma rápida. Um movimento, qualquer que seja, grua, travelling, dolly, steadicam ou qualquer outro, dura em média de três a cinco segundos. Usamos somente o melhor do movimente, por isso, o diretor assim que manda rodar a câmera, também já pede para começar o movimento e assim que chega no final imediatamente corta a câmera.

Em uma cena em externa, o menino corria perto de um muro de pedra, a câmera ia em direção a ele, quando chegasse perto o menino iria encostar no muro e respirar fundo como se estivesse bem cansado, nesse momento faríamos uma “rampa” de 24 quadros por segundo para 60 quadros por segundo, isto é, de uma velocidade normal para slow motion. 

A câmera estava no steadicam eu corri ao lado com o controle remoto para fazer a rampa, o garoto encosta no muro, aciono a rampa, o menino sai de quadro, ficamos enquadrando o muro e....nada do Edu cortar a câmera, e lá fui eu pensar: Mas que catso o Edu tá  fazendo? Esqueceu de mandar cortar a câmera? 

Só quando vi o curta montado entendi tudo. No caso do travelling, pela primeira vez na vida tinha feito um movimento completo e com mais de um minuto, ele usou toda a cena. A câmera parada, começa o movimento, chega na maestrina e fica lá, pegando toda reação. Pode parecer bobo, mas fiquei até emocionado, pra mim foi lindo.

No caso do muro, foi ali que o Edu mudou a trilha, usou a rampa como um ponto de passagem, aí reagi diferente: como sou burro!

Depois desse curta rodamos outros, inclusive um que fez muito sucesso, BMW Vermelho (link no final do texto). Mas como quase sempre acontece, infelizmente, a vida acaba nos levando por caminhos diferentes, ficamos um bom tempo distante, até que em 2020 fizemos, no meio da pandemia, campanha política para prefeito em Sorocaba, foi demais nosso reencontro, voltar a trabalhar juntos e por a vida em dia. 

O Edu Ramos me ensinou e ensina muito, além do caráter, do bom humor e posições firmes na vida, é um mestre.

Obrigado amigo!

Brevemente na série “Histórias na Van” vou contar algumas  histórias do Edu, incluindo uma com a Dercy Gonçalves e outra de um humorista famoso.

                                                             

                                                              

Comercial "Mutirão"

 
Curta "Algo em Comum"


Link para assistir o curta "BMW Vermelho"









 



Comentários

  1. Edu é um mestre, maravilhoso o comercial " Multirão " a direção é incrivel e a fotografia linda .Parabéns !!!!

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    1. Fernando Nunes17/06/2021, 12:49

      O Edu é realmente um mestre. Muito obrigado Anibal!!!

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  2. Eduardo Ramos ele é maravilhoso tudo que faz. Sou fã demais. Amoooooo😍😍😍😍

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    1. Fernando Nunes17/06/2021, 12:50

      Também sou fã. Obrigado!!!

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  3. Que história massa, parabéns professor

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  4. Sim, "O Mundo é uma Kombi".....
    Boas pessoas é sempre bom reencontrar......

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  5. Eduardo (ou quem o conhecer) seus documentos perdidos encontram-se na portaria do bloco "E" da SQS 112 -Brasilia-DF

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