Quando eu estava no segundo grau tive que escolher entre exatas, humanas ou biológicas. Pasme escolhi exatas, queria ser piloto de avião, queria fazer engenharia aeronáutica. Naquela época só tinha no ITA e não aceitavam mulheres.
O primeiro ano era geral, então todas as áreas estavam juntas, mas a partir do segundo ano tinha que escolher. No 2º e 3º ano só tinham duas meninas na turma, eu que tinha o perfil do fundão e outra menina que era nerd. Enfim minha primeira experiência no mundo masculino foi aí. Tive que virar o Zé da turma pra ser aceita como mais um e não como “carne”. Então bobagens masculinas (não ofensivas) que equipe fala, nem ligo porque convivi com isso novinha, entendo esse humor masculino “sem graça” e ganhei amigos pra vida toda, hoje eles não falam besteira, um já publicou mais de 10 livros, é um erudito, outro é pastor (dos sérios) linguagem chula eles deixaram lá atrás e eu continuei.
A publicidade e a política dois ramos que atuo são ambientes masculinos, transitar por eles é fácil, difícil é escutar absurdos e ficar com cara de pôquer.
Década de 1990, agência enorme, diretor de criação famoso, cara beeeem bacana destoava do padrão cara de nojo que a grande maioria dos publicitários faz para o fornecedor. O produto era hidratante, primeira vez que fariam o filme no Brasil, eram feitos na Argentina.
Na reunião de briefing sugeri que a locução fosse feminina. Delicadamente ele me disse que seria bacana, mas que não ia ser possível. Perguntei:
- Por quê?
- Porque locução feminina não dá credibilidade ao produto.
Pôquer.
Eu fazia muitos comerciais para Editora Globo, uma das revistas era Marie Claire, revista boa, matérias boas, mas a locução da assinatura já vinha de uma gestão anterior, masculina (locutor excelente, bem amigo, adoro a voz dele) e o tom era sexy.
Eu tentava mudar o tom com a criação e não tinha argumento que convencesse. Eu dizia:
- Essa revista é pra mulher, não é Playboy por que tem que ter essa voz que o subtexto é “gostoooooooosaaaaaaaaa quero te comer?”. Mulher não gosta disso!
O locutor é bom pra caramba, então pensa num subtexto bem explícito e bem feito.
Não consegui mudar. E olha que tentei por três anos.
Outra agência famosa. Filme de Governo, tema educação.
Entramos na reunião e esperamos, esperamos, esperamos. Lá vem a dupla de criação, os típicos com cara de nojo, semideuses.
Fomos apresentados e em nenhum momento olharam nos meus olhos.
Um deles pegou o roteiro, olhou pro parceiro e disse:
- Bom vamos conversar sobre esse ... (sorriu debochado para o parceiro) como chama? Comercial ...? e novamente riu.
Ali já fiquei puta, o cara tratava o próprio roteiro como ruim, mas deixava claro que nós é que éramos.
Quase que disse: - ô idiota, se você não conseguiu escrever um comercial bom pra esse cliente, tivesse passado pra outra dupla competente, mané.
O cara o tempo todo usou o manterrupting (quando homens interrompem falas de mulheres.).
Saí da agência espumando, meu marido fazia parte da equipe e voltamos pra produtora no carro dele. Eu socava o painel e falava:
- Quando eu vier apresentar o filme não vou conseguir me segurar, vou bater naquele fdp.
Juro eu odiava aquele cara.
Fizemos o filme e fomos apresentar na “tal” agência famosa. Na véspera foi difícil dormir porque eu pensava vai dar merda, eu não vou engolir um sorrisinho debochado desse babaca, posso me queimar na produtora, mas não vou levar isso pra vida.
Chegamos na agência, entramos na sala de apresentação, eu o atendimento da produtora, o Burza (meu marido), RTV da agência e o responsável pela comunicação do Palácio do Governo (ou seja, o cliente) e esperamos novamente pelos mal resolvidos de digestão da criação.
Aquilo foi aumentando a minha ira, pontualidade pra mim é sério. O cliente é o único que pode atrasar, os fornecedores, no caso a agência e a produtora não.
Chegou só o submisso da dupla o outro não entrou na sala e ele disse:
-O fulano hoje teve uma intoxicação alimentar e não pode vir pra agência.
Pensa numa pessoa feliz, vingada! Que ficasse com piriri o dia todo.
Filme aprovado, cliente feliz, saímos e dei um tchau pro submisso meio que por educação porque minha vontade era de virar as costas e sair andando.
Nesses 30 anos de direção já ouvi tanto absurdo e tive que me calar que acho que se acontecesse hoje que tenho cinquenta e sete anos daria respostas ácidas, mas não me calaria.
A Globo “encomendava” vários filmes pra GTEC, em campanhas tipo “Dicas de Verão” assinava a Globo e um patrocinador.
Normalmente esses patrocinadores eram grandes, a criação era da Globo ou GTEC não lembro, mas tínhamos que usar a agência do patrocinador pra chegar até ele.
Então a agência só intermediava.
Reunião numa agência famosa, somos atendidos pelo RTV (o cara que cuida da parte de vídeo e rádio), nos apresentamos e o cara lááá de cima de seu salto com aquela cara típica de refluxo, o chefão dele era famoso então ele pegava carona, nem me olhava nos olhos. Arrogância máxima, tipo tenho que engolir vocês. Gosto de reunião rápida então trocamos as informações necessárias e partimos.
Cheguei na produtora e fui falar com o Nelson Gomes, um dos sócios.
- Nelson, deixa eu fazer em 16mm? As cenas são simples dá pra eu fazer com uma lata, não vou alterar o orçamento.
Queria fazer uma coisa bacana pra esfregar na cara daquele idiota.
Nem lembro se contei pro Nelson ou não do babaca. E ele mais uma vez liberou pra mim.
O cliente era um Banco.
Fizemos os filmes e ficaram ótimos, O Ricardo Dela Rosa fotografou dois e o Peter Overbeck um. Não existia a possibilidade de não ficar bonito.
Chegamos na tal agência com o tal RTV arrogante e lá estava a cliente o Banco, o cara nem recebeu a gente, estava na salinha onde projetava o filme que ficava dentro da sala de reunião. Quando acabou, saiu, nem olhou pra gente NOVAMENTE e disse pra cliente:
- E aí gostou dos filmes que fizemos pra vocês?
Ficaram na festinha particular e nenhum comentário voltado pra gente. AHHHHHHHH se fosse hoje!!!!! Esse idiotinha deu sorte porque ia passar vergonha na cara da cliente.
A agência que mais gostei de ter feito parceria foi a Contexto. Lá os criativos, trabalhei com várias duplas , os atendimentos e RTV eram sensacionais. Os profissionais bem resolvidos, NENHUM com cara de azia, e olha que o cliente era difícil, Governo do Estado de SP. Nunca em 10 anos ou mais que trabalhei com eles passei por uma situação desagradável.
Existem pessoas e Pessoas.
Pessoas inseguras normalmente são arrogantes pra disfarçar a vulnerabilidade.
Administro.
Mas sexistas e machistas eu não aceito e a cada dia deixo mais claro minha posição, chega de cara de pôquer.
Tenho tantas histórias de machistas e sexistas que resolvemos fazer uma série, assim vou contando aos poucos.
Quer dividir sua história no blog? Me manda que publico.
Muuuuuthco legal, Ana. Acho que contar estas histórias, mesmo que muitos anos depois, deve dar uma bela desopilada, não? A vontade era saber o nome de todos entojados caras de pôquer.
ResponderExcluirQuando tá resolvida sim Lee, mas tem umas que ainda preciso digerir pra conseguir contar numa boa.
ExcluirAdorei...muita identificação!
ResponderExcluirAnsiosa pelos próximos capítulos...kkkk
Bj
Quem nunca né Silvia? bj
ExcluirCara de azia! Melhor definição. Hahahahaha!
ResponderExcluirahahahahah Deve ter um passo a passo pra construir essa expressão.
ExcluirParece que estou vivenciando sua ira com esses machistas que ainda hoje em dia insistem a colocar sua impáfia medíocre sobre a mulher. Ainda bem existem pessoas como nós que não levamos desaforos pra casa...😉
ResponderExcluirHoje eu não levo mesmo!
Excluir😉😉😉💋
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