Orgulho - Texto de Fernando Nunes

 



Várias vezes brincava no set dizendo que todos que trabalham no meio, principalmente em publicidade, íamos para o inferno de tanta mentira que a gente filma. Já rodei determinada marca de suco, mas usamos a da concorrente porque a cor era melhor, fiz produtos ficarem lindos quando na verdade eram bem feios. Em comida nem se fala, mel por cima do prato para dar um brilho melhor, um toco de cigarro atrás do pires para fingir que o café está quente, ácido muriático e amônia em cima da comida também para ter uma fumaça bonita, e por ai vai.

Essa história é uma mentira, mas tem mentiras que não tem muito jeito. É sobre a inauguração de um shopping em Fortaleza, só que ele não estava pronto e o comercial de lançamento tinha que ser feito, mas só descobrimos isso dois dias antes de rodar, então vamos lá se virar nos trinta.

Imagine você, que está começando agora ou que já entrou na era da internet, o que era produzir antigamente, na raça: quando chegávamos em uma locação o produtor descia da Kombi (era Kombi mesmo não tinha Van) e a primeira coisa que ele procurava era um telefone público, para nós aqui em Sampa, orelhão. A equipe já sondava para ver onde era o boteco mais perto. Eu passava a lista de luz e câmera por fax, nem sempre dava certo. O máximo que tínhamos era um bip, recebia um recado e toca achar um orelhão, fora o tanto de peso pelas fixas telefônicas que levávamos, nem tinha cartão telefônico.

Pensa em produzir entre Fortaleza e São Paulo. O diretor, de São Paulo, tinha que aprovar o casting, então a produção, de Fortaleza mandava, às vezes em mãos por mensageiro, às vezes pelo correio, o teste da figuração em VHS. O diretor assistia e ia por telefone confirmando, lógico que esse processo demorou alguns dias.

A Willa Lima era a coordenadora de produção da Cia de Imagem, me ligou para confirmar a ida e horário do meu voo para Fortaleza, e me contou indignada de uma conversa com o diretor:

- Ele me pediu para mandar os testes de VT sem áudio, sabe por quê? Não suporta sotaque nordestino. - não acreditei que ele tinha feito tamanha desfeita.

Ela é muito do bem, mas é arretada, às vezes brava mesmo, só fiquei imaginando a resposta.

- E o que respondeu?

- Perguntei se na TV dele não tinha um botão de volume.

Nas conversas ainda em São Paulo, o diretor sempre demonstrava preocupação com a produção, me perguntava se eles eram competentes, se tinham experiência, se eu achava que ia dar certo. A todo momento tentava tranquilizá-lo, mas ele, arrogante, queria porque queria levar a equipe toda de São Paulo, só que o orçamento não dava, mesmo ele tendo sido indicado pela agência de Fortaleza a própria agência não cedeu.

Fui um dia antes ver locação, checar equipamento, tudo para não dar nada errado na filmagem.

Quando no dia seguinte o diretor chegou todo mundo na produtora estava usando uma camiseta escrito: ORGULHO DE SER CEARENSE. Lógico que a Willa não ia deixar quieto. Usaram essa camiseta durante todo o trabalho.

Depois de uma reunião rápida na produtora fomos ao shopping e o diretor ficou chocado com a bagunça, não estava em condições de filmar em nenhum setor, então junto com o responsável pela obra fizemos um plano de filmagem e a “mentira” de um shopping pronto tinha que ser contada. Mas para isso a produção teria que ser impecável. Primeiro cobrar o responsável pelo que foi prometido para dali a dois dias, no dia da filmagem a produção estar no mínimo um set adiantada. Depois de filmado voltar a São Paulo para revelar e telecinar, com material de volta a Fortaleza contar com o super Helgi Thor (lembram do texto “Yukio Sato”, nosso editor e representante da colônia islandesa?) para correr com a edição e dar tempo de ir ao ar.

No dia da filmagem tudo funcionou como um relógio. Sempre todos da equipe fazendo “mágica” para mostrar o shopping pronto. No saguão de entrada fizemos um plano do alto do andar de cima, porque se filmássemos no mesmo nível veríamos máquinas passando e gente circulando. Em uma das lojas a produção de arte deixou tudo pronto e foi chegar e filmar. Na praça de alimentação, usando uma lente tele, desfocando o fundo conseguimos enganar como se estivesse funcionando e lotado, sempre com a produção perfeita.

O diretor, no final, estava admirado em como a produção e a equipe tinham conseguido realizar o trabalho com tamanha perfeição, lógico que tivemos alguns percalços, mas diante da situação não foi nada que comprometesse. Mesmo assim continuou arrogante e o máximo que conseguiu foi agradecer de modo tímido, até porque ficou constrangido o tempo todo por causa da camiseta ORGULHO DE SER CEARENSE.

A única coisa que fiquei frustrado foi a Willa não ter providenciado para mim uma camiseta escrita: ORGULHO DE TER AMIGOS CEARENSES.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Comentários

  1. E eu como boa Soteropolitana "arretada" já gostei da Willa sem conhece-la rssss...., muito bom, vocês fazem mágicas...

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