Filme Simples - Texto de Ana Cal

 



Pintou um filme simples, muito simples de produto e sempre que um filme “parece” simples pode contar que vai dar corre.

Uma parte do filme o cliente forneceu, imagens maravilhosas em 35mm compradas do Image Bank. Cheguei no Nelson Gomes dono da Globotec, um cara que admiro e respeito muito, acho que foi o único até hoje que bancou minhas viagens e disse:

 – Nelson vai dar merda esse filme, imagina o Frankstein que vai ficar quando editarmos essas imagens maravilhosas nessa puta qualidade com as que vamos fazer do produto em vídeo? Vamos fazer em 35mm pra ficar pareado eu JURO que faço com uma lata, negocio com a equipe, não vou estourar o orçamento.

O orçamento em filme é muuuito mais caro que em vídeo. Câmera, equipe, revelação, telecinagem, enfim qualquer um diria não. Mas Nelson me olhou, um silêncio breve e falou.

- Olha lá hein!

Bora negociar com os amigos.

Na véspera do filme, o cenógrafo ficou montando o cenário de madruga e quando amanheceu teve um problema particular e foi embora. Quando cheguei o cenário não era nada daquilo que vendi pro cliente. O cenário era uma reprodução de uma caverna ou toca de um felino, a coloração das pedras era amarela e ele fez com pedras São Tomé, elas são retas, finas, normalmente usadas para piso. As pedras da “toca” são redondas volumosas, disformes. Então o cenário parecia um prédiozinho com um buraco, ou seja, na hora que cortasse das imagens compradas para as que íamos filmar, uma cena ia dar tchau pra outra.

Lembra que falei que filme simples sempre dá corre? Mas quem tem um puta produtor tem tudo. Eu tinha o Mario Monteiro!  Atrasamos a equipe pra depois do meio dia. Era sábado e as coisas fechavam às 13 horas, tinha que ter sorte de encontrar sem pesquisa e montar o cenário. Saí com o Mario numa força tarefa pra achar as pedras que tivessem uma unidade com as imagens compradas.

Maninha calma que vai dar tudo certo!

Eu não lembro em quantos estabelecimentos entramos e eu corria porque sabia exatamente o que queria, entrava e parecia um cachorro farejando o lugar, o atendente devia me achar uma louca.

Aqui não tem!

–  Bora que tenho mais duas na manga. – Tentava me tranquilizar o Mario.

Tava aquela adrenalina porque as lojas iam fechar e eram longe uma da outra.

Achamos! Enchemos a Kombi e “partiu produtora”.

O estúdio da Globotec era no subsolo, tinha uma bela escada e transportar os trocentos quilos de pedras foi um perrengue.

Coloca as imagens compradas pra assistir e bora montar um cenário semelhante.

Ricardo Della Rosa foi o diretor de fotografia desse filme, seguiu a foto referência e no telecine igualou.

Enquanto tava no corre com o filme pedi pro meu parça de trilha, Gilberto Silveira, ir até a agência pegar o briefing com o cliente.

A nossa sintonia era tamanha (10 anos fazendo as trilhas dos meus filmes) que nem brifava mais, ele sentia o que o filme tocava. Fazia marcações nos cortes, nos movimentos de câmera, a cada passo que o felino dava, ele e o Lazlo faziam uma dupla que não tem preço, enquanto o Giba era falante o Lazlo era monossilábico. A trilha de um filme não cabia em outro, eles eram sensacionais.

Lá foi ele de paletó (era o único que tinha) e sapatos (só usava tênis), estaciona em frente a agência, abre a porta do carro e coloca um pé na calçada enquanto continua pegando coisas dentro do carro, percebe que pisou num monte mole e escorregadio, o cheiro sobe, olha rapidamente pra ver que o pé está enterrado até quase a canela ...na merda.

- PQP isso não tá acontecendo!!!!!!!

Se entorta todo pra colocar o outro pé num lugar seguro. Se agarra na porta do carro e procura uma saída.

Avista um posto de gasolina. Vai caminhando até lá com as pernas meio abertas pra não sujar a outra.

Chega no posto faz sinal pro frentista e diz:

- Amigo dá uma ajudinha aqui? Pisei na merda, rola dar uma mangueirada no meu sapato?

O cara meio que riu e foi solidário, pegou a mangueira e veio. Chegou perto e ligou.

A água veio com força total e ensopou o Gilberto da cabeça aos pés.

Ele desligou na hora, olhou com aquela cara de desculpa e o Giba só soltou um:

- Ái Carái!!!!

O estrago tava feito, não tinha como melhorar aquilo. Deu uma chacoalhada no cabelo, penteou com a mão, com a ponta dos dedos tirou a meia do pé premiado e jogou fora. Desgrudou a roupa molhada do corpo e partiu pingando pra agência. Não dava tempo de ir pra casa e trocar de roupa.

Entrou no elevador, todo mundo olhando assustado e ele pensava: “Senhor que aparência tenho?  Será que eles estão sentindo algum cheiro?”

Chegou na porta da agência, olhou pro Mezuzah, que é um artefato judeu colocado no batente da porta para trazer proteção, e pensou: “Que me proteja também.”

A agência era pequena então o próprio dono atendeu a porta, quando viu o estado do cidadão que estava ali perguntou:

- Tá chovendo lá fora?

Num puta dia ensolarado. Apesar do Giba ser bem simpático, descolado, era o primeiro contato com aquele cliente, deu aquele sorrisão amarelo e o remédio foi contar a saga pro cara.

A verdade quase sempre é melhor do que qualquer história inventada. E cá pra nós deve ter divertido o cara.

Imagina o Gilberto sentado, um pé com meia outro não, cabelo escorrendo e tentando abstrair toda aquela situação pra pegar o briefing.

Quando me contou eu passei mal de tanto rir e perguntei

- Por que não tirou a outra meia?

- Sei lá! Nem passou pela cabeça!

Dizem que pisar na merda dá sorte, a trilha ficou sensacional, grandiosa!

Locução de Ferreira Martins, com a trilha “duca” e as imagens belíssimas o filme ficou beeeem bonito.

Um dia meu amigo Ricardo Braga chega lá em casa e fala:

Pô Ana, fui comprar o produto daquele filme que você fez e na hora que peguei parecia uma caixa vazia de tão leve, que decepção.

Hahahahaahah fiquei imaginando a cena, ele de terno entrando numa loja pedindo o “tar” e a cara que deve ter feito.

O produto era bem barato, se era bom eu não sei, mas esgotou nas lojas.

Às vezes o filme fica maior que o produto.

 

                                                     Mário Monteiro


 

                                                      Gilberto Silveira



 

 

 


Comentários

  1. Tem palavras que não dá pra juntar na mesma frase. Filme e simples, por exemplo! Nunca produzi um único assim, nunquinha da silva sauro! :)

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    1. Hahahhahaha, só o cliente que acha que existe filme simples

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    2. Opa! Afinal é só uma tomadinha, né?! Hehe!

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  2. Nada é fácil, quando dizem: é simples..., pode apostar, NÃO É.....
    A dissertação é impecável.....
    Adoro que dividam suas experiências. 😉

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