Esquadrão era um maquinista das antigas já na década de 80. Tinha estatura média, atarracado, um leve sotaque nordestino, inteligente, excelente profissional. Tinha fama no mercado por ser casado com uma mulher brava e por tudo acontecer com ele.
Reza uma das histórias que ele estava rodando um longa no interior de São Paulo. Em uma das cenas ele teve que atravessar um riacho com uma famosa e linda atriz, musa da época completamente nua em seus ombros, ela não podia se molhar. Não iam perder a oportunidade, tiraram fotos e mandaram para quem? Para sua mulher, lógico.
Inocente, Esquadrão chega em casa depois de dias rodando o longa, cansado, louco para ver a família, cheio de amor para dar. Ainda na porta recebeu várias porradas da mulher! E ele nem sabia porque.
Eu era fixo da Globotec e entrou um comercial de fim de ano da Casas Moysés. Roteiro meio complicado: À noite chega um carro da Casas Moysés na porta de uma mansão, o motorista toca a campainha, a porta abre e uma mulher super elegante recebe um presente. Corta para geral da mansão, ouve-se um grito de satisfação e começam a explodir fogos, como se estivessem saindo da chaminé da casa. Corta para assinatura.
Nesse trabalho o maquinista era o Esquadrão.
Chegamos em uma mansão no Morumbi logo depois do almoço, um caminhão de luz, gerador e uma equipe imensa. Era muito trabalho a ser feito. Comecei posicionando os três HMI fora da casa em cima de andaimes, alguns galhos de árvore para não deixar a luz chapada. Depois vários fresneis posicionados em algumas janelas na parte de dentro com gelatina âmbar para ter uma temperatura de cor mais quente. Por último a luz do alpendre onde ia acontecer a cena da entrega do presente.
Montamos a luz durante o dia e lógico que quando anoitecesse tudo teria que ser afinado, porque só aí teria a dimensão exata da luz. Esse processo foi mais demorado, era muita luz. Ficou pronto por volta das 20:00 horas.
Estávamos quase prontos para gravar (era em vídeo) a cena final, movimento com grua. Tinha um pessoal do corpo de bombeiros que posicionou os fogos atrás da chaminé, depois de alguns testes gravamos, devia ser por volta de 21:30. Depois a cena da chegada do carro, 22:30 mais ou menos o horário que terminou.
Partimos para a cena da entrega do presente. Começa o drama. Naquela época era comum, principalmente quando tinha cliente ou agência no set, o diretor (diretor de fotografia também) ser mais lento, talvez para mostrar que não era fácil, ou justificar o dinheiro que o cliente estava gastando. Só sei que o diretor mudou várias vezes o ângulo da câmera e sempre repetia muito a cena com os atores, e olha que nem tinha som direto, era só o motorista entregando o presente.
De repente chega um senhor, muito bem vestido, elegante mesmo, olhando puto para todo mundo, entra na casa e ai começamos a ouvir uma discussão em voz alta.
Depois de um tempo descobri o que estava acontecendo. Esse senhor tinha três filhas e era viúvo, advogado. Naquele dia ele estava concorrendo à eleição da OAB. As filhas, sabendo que o pai iria chegar tarde emprestaram a mansão, possivelmente na inocência, achando que quando o pai voltasse não estaríamos mais lá. Esse homem ficou possesso, ainda mais porque nos anos 80 as locações eram basicamente emprestadas, não tinha contrato nem dinheiro.
O diretor deu de ombros, como se nada estivesse acontecendo, e continuou gravando. Gravando não, repetindo infinitamente a cena.
O senhor ficou cada vez mais nervoso. Veio no alpendre e falou:
- E ai, não vai terminar? Se o senhor não sabe dirigir deixa que eu faço isso...
Ele repetiu a mesma fala a cada dez ou quinze minutos, só que foi acrescentando palavrões:
- Merda, não vai terminar?...
- Caralho, não vai terminar?...
- Filho da puta, não vai terminar?...
Teve muitos mais. Fiquei chocado. Como um senhor, advogado, muito bem vestido, elegante mesmo, concorrendo a presidência da OAB, sabia mais palavrões que eu?
Na última vez que saiu, por volta da meia noite e trinta, veio falando baixo, e normalmente isso é mais perigoso, até porque estava com um revolver na mão.
- Vocês tem meia hora para sair daqui, senão vou dar tiro pra todo lado.
Foi a primeira vez que vi esse diretor ser rápido, terminou a cena em menos de um minuto e o pessoal saiu na correria para desmontar tudo. O advogado não estava brincando.
Ainda deu tempo para checar se não haviam esquecido nada na locação. Normalmente uma luz é deixada ligada, pelas circunstancias não dava, ia sobrar tiro, então estava escuro, se enxergava muito pouco, e quem foi dar essa geral? Ele, o próprio, o Esquadrão, o resto do pessoal já estava na rua.
Olhando rápido ele viu algo no chão.
- Viche, esqueceram um pano preto.
Quando colocou a mão no pano preto era um pastor alemão capa preta que haviam soltado, imediatamente rosnou feroz para o Esquadrão, e eu na porta da mansão olhando.
Onde ele estava o caminho mais curto era um muro. Nunca vi alguém correr tão rápido e conseguir pular um muro tão alto em tão pouco tempo e eu, rindo muito pensei:
- É... Tudo acontece com o Esquadrão...
Texto de Fernando Nunes
Não tinha tempo ruim pro Esquadrão, sempre de bom humor. Era tão bom abraçar o véio. Uma de minhas pessoas favoritas.
Quando eu tô gravando não percebo o tempo passar e não tenho fome, então eu tinha um código com o Esquadrão, quando tivesse na hora ele me avisava. Esperava acabar a cena e dava um jeito de chamar minha atenção, discretamente passava a mão na barriga, eu disfarçava e pedia pra produção pra dar uma parada pro almoço. A gente nem se olhava, só no caminho para o restaurante a gente ria. A produção nunca percebeu.
Saudade desse querido!
Texto de Ana Cal
hahahah demais!
ResponderExcluirValeu Sofia, obrigado!!!
ExcluirMuito bom, o pano preto rsss
ResponderExcluirObrigado!!!
ExcluirSaudade do Esquadrão também. Uma pessoa especial.
ResponderExcluirOi Viviani, o Esquadrão era único, sempre gostei de trabalhar com ele.
ExcluirAhhh que delícia de texto e de história. Talvez eu tenha até esbarrado com o Esquadrão, imagino a figura. Ansiosa esperando as histórias surreais que vão sair. Vou passar umas pra vcs do ponto de vista do ator kkk Bjimmm. Sucesso!!!!
ResponderExcluirOi Renata, obrigado. Seria ótimo se você mandasse sugestões e histórias.
ExcluirHahahaha! Muito bom!
ResponderExcluirQue bom que gostou. Obrigado!
ExcluirMuito bom, me divirto, impecável.
ResponderExcluirValeu Katia, muito obrigado
ExcluirPersonagem de grandes estórias !!!!
ResponderExcluirSim ele tinha muito mais histórias, essa eu presenciei.
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