Alectorofobia - Texto de Ana Cal

 



Eu tinha pânico de galinha. Hoje não tenho certeza qual é o grau, faz tempo que não me deparo com uma, mas tenho certeza de que não é mais pânico.

Esse medo deve ter surgido na infância, minha mãe comprava a galinha viva no Mercado Municipal e íamos caminhando até em casa com aquela galinha com as pernas amarradas se debatendo na sacola. Aquilo era um horror pra mim. Minha mãe hoje também acha um horror.

Ela chegava em casa e deixava a pobrezinha de ponta cabeça, sei lá pra quê. Eu nem chegava perto da área de serviço.

Já passei umas vergonhas por conta desse pânico. A primeira foi na casa de uma tia, eles estavam reformando a casa e alugaram uma durante a obra.

Era uma casa de madeira típica de Santa Catarina na década de 70. Mas essa tinha uma peculiaridade era uma palafita, o portão ficava, na minha visão, muuuuito longe da porta da casa, tinha que passar o portão e caminhar toda a extensão da casa até chegar numa escada provisória de tijolos e entrar. Nessa casa tinha um monte de galinhas soltas que deveriam ser do proprietário da casa porque minha tia não criava galinhas e elas ficavam lá embaixo da casa, passeando pelo terreno e todo mundo abria o portão e caminhava tranquilamente até a escada, e eu já ficava naquele pesadelo de como atravessar esse campo minado. Eu esperava todo mundo entrar pra sair correndo desesperada. Até que um dia eu me deparei com uma que queria atravessar meu caminho, eu ameaçava de ir e ela também a gente ficou nessa lenga lenga até que nós duas arriscamos ao mesmo tempo, eu corri e ela também, quando vi voei pra escada. Com o meu mortal a escada não resistiu e se desfez, tijolos pra tudo quanto que é lado e TODAS as galinhas ficaram gritando. Resultado uma mancha gigante roxa na parte interna da coxa, muita gozação dos primos e bronca da tia por “imagine alguém ter medo de galinha”.

A segunda vergonha já era adulta, estava na Grécia com o André, na época meu namorado, no centro da cidade de uma ilha tinha uma escadaria compriiiida eu fui na frente e o André ficou pra trás tirando uma foto, naquele momento não tinha ninguém por ali. De repente me deparo com um galo, na escada!!!!!  No centro da cidade!!!! Não pensei, desci correndo e falei pro André que era melhor a gente ir por outro caminho porque tinha um cachorro lá em cima. Ele falou:

– Nada! Se fosse bravo não iam deixar solto assim, bora lá vou na frente.

Quando ele viu o galo, não parava de rir e não preciso dizer que até o final da viagem tive que escutar ele fazendo alterações e aumentando a história.

Toda essa introdução pra chegar a um institucional da Perdigão.

Viajamos num micro ônibus de São Paulo até o Paraná, Santa Catarina e RS por uma eternidade, nem lembro quanto tempo ficamos fora.

Lá gravamos todos os processos, suínos, bovinos e “galíneos”. Desde o cuidado dos bichos, o transporte, até o pesadelo do abatedouro. Eu e a Sandra Kraucher , hoje diretora , na época era produtora , chorávamos de encharcar a máscara, uns funcionários riram, outros ficaram surpresos sei lá pra eles era rotina, até chegar ao produto final embalado.

No setor “galíneos” tivemos o privilégio de gravar a tal lenda Chester. Desde os ovos, pintinhos, os prontos para o abate, as matrizes e as avós.

Você chega na granja, toma um banho, veste uma roupa que te dão esterilizada dentro de um saco lacrado, anda alguns metros entra em outro vestiário, toma outro banho, veste outra roupa e sapatos, caminha mais e o processo se repete. Nunca tomei tanto banho na sequência. Depois de todos os banhos vamos à lenda.

Todo mundo já viu um “celeiro” de galinhas certo? Mas vocês NUNCA viram um de chester!!!!!.

Pensa num cachorro penudo, lindo, enorrrrrrrrrrrme, diferente, imponente. Esse é o Chester, não é uma galinha, é do tamanho de um cachorro. E pra quem não sabe não é maior por causa de hormônio. É uma raça criada. Muito estudo pra chegar até ele.

Aí todos entraram e eu fiquei meio que disfarçando no lado de fora. Tipo grava aí.

Qual!!!!

– Vamos Ana, entra!

Puta que o pariu, pensa, entrar no seu maior pesadelo com os milhares de Freddy Krueger gigantes!

Claro que não falei pra equipe que tinha pavor de galinha, se não ia ser trolada até. Juro por Deus que elas ficavam longe da equipe, tinha um círculo vazio e a equipe no meio e como entrei por último não conseguia chegar até eles porque elas se grudaram em mim, surreal. Me encaravam com superioridade aquelas bichas, minha adrenalina devia ser sentida até pelas avós que estavam a muitos prédios pra frente.

Dessa vez até a atriz que as vezes incorporo tava dormindo, não conseguia dar um passo. E eles falavam:

– É só andar que elas fogem.

Sei... pensei, pra mim não funciona esse truque.

Acho que foi o Marcinho que era operador de VT, hoje editor, que foi me buscar tipo a um metro dele. Humilhante. Ele andava e elas fugiam pra imediatamente grudar em mim.

– Olha! Acho que eles gostam de você.

Ahã...

Mas morram! Eu vi a lenda! In loco

 O cuidado que os caras têm em não contaminar os bichos é bonito de ver. Pra chegar as matrizes imagine mais quantos banhos tomamos.

Eu não ia citar o nome do Frigorífico, mas todos iam saber quando eu citasse o Chester.

Devia parar por aqui, mas num guento. Isso foi em 1989 então os funcionários já devem estar aposentados.

Tem um departamento onde selecionam os pintinhos perfeitos e os não perfeitos (você não vê a diferença) que são colocados em outra esteira, sei lá pra onde vão, se eram descartados ou não, mas eu e a Sandra ficamos apaixonadas pelos pintinhos e imploramos pra nos darem aqueles descartados. Um pintinho pra cada um da equipe.

Estávamos em 5 ou 6 pessoas.

Pintos na caixa, entramos no micro ônibus e seguimos viagem, cuidando dos nossos pets. Cada um tinha sido batizado por seu dono.

Chegávamos no hotel e a caixa ia pro quarto que eu dividia com a Sandra.

Só que a viagem ainda tinha chão e os pintinhos foram crescendo, e já não se contentavam em ficar na caixa.  Era pinto em cima da cama, embaixo, no banheiro, na porta do quarto, atrás da cortina, só faltava sair de uma gaveta.Quase fomos expulsos de um hotel porque as camareiras se recusaram a limpar nosso quarto. Pensa no furdunço!

Quando chegamos em São Paulo eles eram pré adolescentes ,já uns pescoçudos e ninguém quis ficar com os pets.

Levei pra casa, TODOS. Imagine o que ouvi de minha mãe! Nossa vizinha na época tinha um sítio e levou todos os bonitinhos pra lá, esses iam ficar soltos.

Sou a favor da inclusão até pros bichinhos.

 

 

 

 

 

 

 

 


Comentários

  1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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    1. E agora você apagou? hahahahaha posta de novo

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  2. Ana, hilário, realmente vc escreve com uma facilidade q parece q estou vivendo ao seu lado o q está escrevendo rssss...., seeensaaaacional .
    Não vejo a hora do próximo, 😉

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  3. Eu adorei! Uma bela diversão ler o seu texto! O seu humor é genial! Beijos Dani

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  4. Ana, juro que vi sua carinha, cercada de chesters, e paradinha! Hahaha! E tava com a Sandra, outra amiga de infância! Sensacional!

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  5. Nossa Ana, que dá hora ! Chorei de rir, muito bom, quando eu era criança, minha mãe também comprava galinha viva ! Rsrs os banhos que demais! Show 👋🏾👋🏾👋🏾👋🏾 Bjs ...

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    1. Só quem viu a galinha com as pernas amarradas em casa sabe o perrengue

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  6. Amo histórias e essas tão boas demais! Valeu, Ana! Bjim

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  7. Adorei isso!!! sei bem o que trauma de galinha , eu tenho de pintinhos... quando criança um homem vendia uns na rua e meu irmao comprou , ficou solto no quintal de casa, um dia pisei em um e ele morreu... AFFFFF, lembro ate hoje!!

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. A escrita é leve. Não poderia ser diferente. Quem escreveu tem a alma antiga (e por isso... sábia) característica daquela que tem um sorriso infantil. E nos faz felizes ao dividir as doces lembranças de criança. O medo da Ana menina invoca, em que lê o texto, uma saudosa gargalhada... despertada por meio do olhar e sentida profundamente no coração. Valeu, mana, obrigado.

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    1. Obrigada Rat, sua opinião é muito importante pra mim

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  10. Marina Darin01/04/2021, 09:53

    hahahahaha, dividida entre rindo e com dó das galinhas!!! Melhor parte é ter medo delas, mas pegar pintinhos para ser pet

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    1. Imagine no hotel todos soltos pelo quarto, em cima da cama, no banheiro, embaixo da cama.

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